Hakuji

10 3 2
                                    


Meu pai precisa de remédios.

Eu te amo, pai. Eu suportaria qualquer dor por você.

Meu mestre tem uma filha. Ela é doente, preciso honrá-lo e cuidar dela.

Ela é linda. Seu sonho é ver os fogos de artifício.

Vou casar com ela. Seremos uma família. Eu finalmente serei digno de amor? Eu finalmente terei uma chance de ser uma pessoa justa e feliz?

A saída da floresta estava bem à sua frente. Mais alguns passos, e Hakuji iria de encontro ao sol, derretendo em pedacinhos, direto para o inferno, que era o seu lugar.

Incontáveis lágrimas jorravam por seu rosto. Seu peito subia e descia, tremendo. Soluços de desespero deixavam sua boca. Ele precisava pôr fim a sua vida.

Hakuji simplesmente saltou em direção ao sol.

Mas alguém o segurou.

Uma mão apertou fortemente seu pulso, o impedindo de saltar. Virando-se assustado, Hakuji deparou-se com um garoto de cabelos vermelhos, que usava brincos hanafuda. O garoto que precisava encontrar. Não importava mais.

- Me solta!

- Você é o lua superior três...

- Eu preciso me matar! Eu sou um monstro, uma abominação!

Mesmo que teoricamente fosse um caçador, o garoto expressava quase que profunda tristeza perante a dor de Hakuji. O aperto em seu pulso não afrouxou. Hakuji ajoelhou-se em frente ao menino, intensificando seu choro.

- Eu prometi ao meu pai que iria curá-lo... Prometi ao meu mestre que iria honrá-lo... Prometi a minha esposa que iria amá-la. E no fim, eu me tornei isso! Eu fiz tudo isso! Por todo esse tempo!

Hakuji apertou a grama do chão, chorando profusamente. - Acabe logo comigo! Por favor, me mate, vamos!

O oni esperou ansiosamente por um corte que o decapitasse no exato momento em que gritou aquelas palavras, mas em vez disso, o garoto ajeolhou-se também, em sua frente.

- Meu nome é Tanjiro. Tanjiro Kamado.

- Eu não me importo. Só põe um fim nisso, por favor!

- Eu senti um cheiro muito forte de oni, mas junto dele, um cheiro de profunda tristeza. Você é como a oni aranha que enfrentei a alguns dias atrás. Exala o mesmo cheiro, só que muito mais forte.

De alguma forma, a gentileza das palavras de Tanjiro tranquilizavam Hakuji, cuja respiração não voltou ao normal, mas acalmou-se um tanto mais. Tanjiro ainda o olhava de uma forma gentil demais para um caçador que estava de frente para um lua superior.

- Você não se lembrava de seu passado?

- Foi Muzan. Foi ele quem tirou minhas memórias de mim. - Disse Hakuji, cravando as unhas no chão de terra em realização. Tanjiro respondeu com um olhar intrigado.

- Você não parece estar mentindo. Sinto que realmente recuperou suas memórias, e aparentemente, você não era uma pessoa ruim - Disse Tanjiro, formando um sorriso bondoso - eu sinto um cheiro, mesmo que mínimo, de gentileza dentro de você. Acho que posso contar com você.

- O quê? - Disse Hakuji, perplexo, enquanto Tanjiro se levantava, escondendo a katana - Do que tá falando? Eu sou um oni! Matei milhares de pessoas durante todos esses anos! Eu tenho que morrer! Eu decepcionei toda a minha família!

- Muzan foi o responsável por isso, não foi? Foi ele quem tirou suas memórias e te obrigou a trabalhar pra ele - Respondeu Tanjiro, endurecendo o olhar - Se você concordar... Nós podemos trabalhar juntos. Você parece ser como a Nezuko!

Tanjiro deu um tapinha em uma caixa de madeira atrás de suas costas, e Hakuji notou uma presença demoníaca dentro da mesma.

- O que quer dizer com isso? Por que carrega um oni consigo?

Tanjiro levantou-se, adotando uma expressão séria. - Eu não posso te dizer, por enquanto. Mesmo que eu acredite que você seja um oni diferente, ainda assim, por ser um lua superior, é melhor eu fazer um teste.

Ainda ajeolhado, Hakuji estremeceu, imaginando algum castigo. Porém, Tanjiro estendeu o braço silenciosamente, e um corvo voou por entre as árvores e pousou em seu braço.

- Esse é meu corvo. O nome dele é Matsuemon - Tanjiro voltou a sorrir, enquanto o corvo grasnava, tremendo com a presença do lua superior - Eu vou deixá-lo te vigiar por uma semana. Se você não matar ou devorar ninguém durante esse período, posso acreditar que talvez você seja como a Nezuko.

Hakuji fitou o corvo, surpreso. Como um caçador seria capaz de confiar em um lua superior? De repente, pareceu fazer sentido que Muzan ordenasse que aquele garoto fosse caçado. Sua aura emanava bondade e compreensão. Além do mais, a oni dentro da caixa o intrigava ainda mais.

- E se você for como a Nezuko, você certamente poderá nos ajudar a derrotar Muzan - Continuou Tanjiro - Não compreendi ao certo a sua história, mas entendi que deseja se vingar dele. Na verdade, nem mesmo sei seu nome ainda.

Hakuji finalmente olhou determinado para Tanjiro - Meu nome é Hakuji Soyama. Eu lembro de tudo agora. Muzan me transformou em oni contra a minha vontade e perdi todas as minhas memórias. Durante todo esse tempo... Fiz tudo isso contra a minha vontade. Depois de tudo o que aconteceu com minha família, eu apenas iria sumir, ou me matar. Mas...

As lágrimas retornaram aos olhos do oni, mas Tanjiro o olhou carinhosamente.

- Uma semana. Mostre-me que você realmente ainda é um humano por dentro, e eu vou dar um jeito de te introduzir ao esquadrão para nos ajudar a deter Muzan Kibutsuji. Preciso confiar em você primeiro.

Tanjiro mais uma vez deu um tapinha na caixa atrás de si, e Hakuji continuou ajoelhado, baixando a cabeça em frente ao garoto como submissão.

- Preciso ir. Meus amigos caçadores não devem ter entendido nada do porquê eu vim correndo até aqui, então preciso voltar logo antes que te descubram. Matsuemon, por favor, você precisa acompanhá-lo e vigiá-lo! Se ele tentar fugir de você ou te deter, esse trato está desfeito.

O corvo, que tremia de medo, voou desembestado com a última frase. Hakuji pôs-se de pé, ainda de cabeça baixa.

- Irei cumprir o nosso trato.

Tanjiro nada disse. O garoto acariciou a cabeça do corvo, fazendo com que o mesmo pousasse em um galho de árvore e finalmente se acalmasse. - Depois de uma semana, Matsuemon me guiará até você. Até mais, Hakuji.

Tanjiro finalmente correu de volta a mais três caçadores ao longe. Enquanto observava os mesmos se retirarem, Hakuji reuniu todas as suas forças para não correr em direção à luz do sol. Se ajudasse os caçadores e detesse Muzan, quem sabe Keizo o perdoaria. Seu pai o perdoaria. Koyuki o perdoaria.

Hakuji mais uma vez debulhou-se em lágrimas, imaginado o rosto da amada que finalmente havia vindo à sua mente.

Eu prometo consertar tudo. Eu prometo. E apenas quando eu conseguir, irei para o inferno, que é o meu lugar. E espero que possam me perdoar aí onde estão, no céu.

Hakuji apertou o próprio peito, e fazendo o possível para ignorar a luz do sol, adentrou a floresta, seguido por um corvo trêmulo.

***

HumanOnde histórias criam vida. Descubra agora