Nenhuma das batalhas que Hakuji enfrentou enquanto oni fora tão difícil quanto resistir àquela semana, sem arremessar-se em direção à luz do sol. O oni passou a maior parte do tempo escondido nas florestas escuras e isoladas, mas às vezes, o mesmo passava por perto da cidade, a fim de observar os humanos vivendo suas vidas.Hakuji, enquanto oni, sempre apreciou observar e conversar com humanos. Mas, daquela vez, olhá-los o conferia um novo nível de dor. Lembrava-se de sua família. Da injustiça. Do luto. De tudo o que perdeu.
Por sorte, Matsuemon, o corvo de Tanjiro, servia como uma boa companhia. O animal, vez ou outra, proferia algumas palavras, mas permanecia quase sempre voando quieto ao seu lado. O corvo, por enquanto, pôde constatar que Hakuji estava se saindo bem em seu trato.
Faltava apenas um dia. Hakuji aproximou-se perigosamente da cidade aquela noite, mas permaneceu afastado dos humanos. Sua cabeça não parava de pensar em Muzan e em vingança. Mesmo ainda tendo o sangue do rei demônio em suas veias, Hakuji percebeu que ele não podia mais rastreá-lo ou ler sua mente. Talvez, realmente, o lua superior três havia saído do controle de Muzan.
Diante a esses pensamentos, Hakuji encostou-se em um beco, pensativo. O esquadrão de caçadores jamais acreditaria em um oni, principalmente este sendo um lua superior. Mas Hakuji acreditou em Tanjiro. Aquele garoto o lembrava seu mestre, Keizo, e isto acalentava seu coração agitado.
De repente, um som estranho espantou Hakuji, que olhou para os lados. Era como se alguém tivesse passado pelo oni com alta velocidade. Um humano comum não seria capaz daquilo.
Hakuji esquivou-se no momento exato em que uma katana estava prestes a acertá-lo no pescoço. O caçador pousou em sua frente, continuando a saraivada de ataques, dos quais Hakuji desviou.
- Por que não está lutando? - O caçador disse em voz baixa, afastando-se e parando a alguns metros de Hakuji, analisando-o.
Hakuji olhou diretamente nos olhos azuis escuros do caçador. Ele certamente não era um novato. Há pouco tempo atrás, seu corpo clamaria por aquele confronto, mas daquela vez, quase que inconscientemente, Hakuji ajoelhou-se.
- Ei!
O oni quase sentiu a katana prestes a acertar seu pescoço, mas de repente, percebeu que Matsuemon estava à sua frente, de asas abertas.
- Ele é do bem! Ele é do bem!
O caçador espantou-se, baixando a katana. Hakuji quase foi capaz de chorar, mas apenas abaixou a cabeça.
- Escute, tudo bem se não quiser acreditar em mim, e tudo bem se quiser me matar. Mas se for me ouvir... Eu recuperei minhas memórias de humano. Lembrei de tudo o que perdi. E também lembrei de como cheguei até aqui. Muzan me transformou em oni à força, e eu não pude fazer nada. Tudo o que eu quero agora é vingança. Um de vocês confiou em mim, e eu quero retribuir essa confiança e ajudá-los com tudo o que eu sei.
Hakuji lutava para segurar as lágrimas, tremendo, e sentia o caçador o observar de cima, incrédulo, porém, ainda cético. Então, hesitante, Hakuji tirou do bolso de sua calça alguns papéis rabiscados.
O lua superior havia roubado alguns materiais (roubar não estava na lista do que não podia fazer, afinal) de uma loja humana. Suas memórias haviam retornado de uma só vez, e entre elas, Hakuji lembrou-se de quando desenhava junto a sua amada. Com mãos ágeis e gentis, Hakuji desenhara em uma noite o que o lembrava de sua família: os rostos de seu pai, mestre e esposa. O oni estendeu a mão para mostrá-los ao caçador.
- Pode não acreditar... Mas essa é a minha família. Eu os decepcionei. E é por eles que vou buscar vingança. Quero que eles sintam orgulho de mim e que me perdoem. Mesmo que não haja mais razão pra isso depois de tudo o que eu fiz...
O caçador analisou os papéis com calma, e depois voltou o olhar para o oni que não havia mais conseguido segurar o choro, ainda ajoelhado e de cabeça baixa.
O humano guardou a katana e colocou os desenhos gentilmente no chão à frente de Hakuji, suspirando alto.
- Primeiro a Nezuko, agora você.
Esse nome de novo? - Hakuji levantou a cabeça, surpreso, fitando novamente os olhos azuis escuros do caçador.
- Qual é o seu nome?
- Hakuji Soyama, senhor.
- Meu nome é Giyuu Tomioka. Não precisa me chamar de senhor. Onde achou esse corvo?
- Não sei se o conhece, mas este corvo é de um garoto chamado Tanjiro Kamado. Foi ele quem me deu uma semana para confiar em mim por completo. E essa semana termina amanhã.
- Claro que foi ele. - Giyuu suspirou novamente - Talvez você realmente seja mesmo como a Nezuko. Eu nem sou um hashira mesmo, então não faz diferença se eu poupar ou não a vida de um lua superior agora.
Giyuu virou para trás, inexpressivo - Se você for mesmo capaz de garantir a confiança do Tanjiro, eu também serei capaz de confiar em você. E se realmente quer se vingar de Muzan Kibutsuji... Então nos veremos num futuro próximo. Espero muito que não esteja mentindo para nenhum de nós.
Tão rápido como apareceu, Giyuu correu e sumiu por entre a floresta fronteiriça. Hakuji deixou escapar um suspiro nervoso. Um caçador e um hashira - mesmo que Giyuu tivesse dito que não era um, para Hakuji, claramente era - agora eram dois a confiar nele, juntamente com um corvo que dava pequenos saltos a sua frente.
Finalmente, Hakuji sorriu.
Entretanto, seu sorriso foi rapidamente dissipado por outro som. Uma presença demoníaca esmagadora que Hakuji conhecia muito bem. Seu trato com Tanjiro estaria feito logo no dia seguinte, e ele não poderia desperdiçar tudo gastando seus nervos com aquele oni.
- O que você quer, Douma? - A presença atrás de si enviava quase que automaticamente ondas de ódio e irritação por seu corpo. O lua superior três cerrou os punhos, preparando-se para nocautear Douma assim que o oni dissesse alguma coisa.
- Me siga.
Hakuji congelou. Ele nunca havia ouvido aquela voz. Era mesmo Douma? Tratava-se de uma voz dura e séria, quase tão hostil quanto a voz de Muzan.
Soyama virou-se lentamente, engolindo em seco inconscientemente. Douma estava parado atrás dele, com uma expressão totalmente diferente. Um nível de seriedade que Hakuji jamais achou que seria capaz de vir daquele oni.
- Tenho que te dizer uma coisa, mas há humanos vindo pra cá. Apenas me siga.
Hakuji pensou em negar, mas pela primeira vez desde que Douma tomou seu lugar como lua superior dois, apenas aceitou a ordem, seguindo-o nervoso.
Os dois pararam em uma casa escura abandonada e parcialmente destruída, distante do centro da cidade. Douma caminhou até a sala e virou-se para Hakuji, ainda sério.
- Eu sei que você está falando com os caçadores do esquadrão. Já que já garantiu a confiança deles, peça ajuda de todos para derrotamos Muzan. Ele já está atrás de nós dois. Ele percebeu que saímos do controle.
Hakuji sentiu como se duzentos pontos de interrogação flutuassem por sua cabeça. É claro que eram muitas informações importantes, mas a seriedade de Douma conseguia espantá-lo ainda mais.
- Você ouviu, não foi? - Douma caminhou até a entrada da casa - Eu descobri através de um oni que invadiu meu culto. Mas agora vá. Eu estarei aqui, veja se lembra desse lugar. Duvido que confiariam em mim, mas faça eles acreditarem que eu lutarei ao lado deles. Não precisa confiar em mim também, mas a esse ponto, não podemos arriscar.
Ainda calado e incrédulo, Hakuji saiu lentamente da casa. Boquiaberto, o lua superior três olhou para Douma mais uma vez, este que procurou suavizar o olhar para transmitir alguma confiança, antes de finalmente fechar a porta com força.
- Você ouviu isso... Não é? - Disse Hakuji para Matsuemon, que dobrou as asas - eu não consigo falar mais nada. Só esperar.
***
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Human
FanfictionDepois de décadas servindo à Muzan, o lua superior 3 de repente recobra as memórias de quando era humano. Fora do controle de Kibutsuji, Hakuji decide vingar-se do rei demônio, unindo-se ao esquadrão de exterminadores e também a Douma, Gyutaro e Dak...