2. Pessoas como você

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Ano 3250

Planeta L-1485

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O Governo Universal foi conquistado pelos seres humanos há mais de um século, após o fim da Guerra das Três Galáxias. Em meio às horrendas disputas pelo poder, talvez os milhares de povos que eram contra a soberania da raça humana tivessem lutado com mais afinco se soubessem das consequências de serem governados por uma forma de vida que adora reuniões, filas e formulários.

Kim Jongin releu mentalmente o que tinha digitado e riu baixo ao deletar palavra por palavra. Sentado à frente do computador, ele digitava e apagava sua resposta à última pergunta do formulário de inscrição no programa de treinamento das Forças Especiais. Sabia que seria aprovado mesmo que deixasse aquela parte em branco, já que havia alcançado as melhores notas nos testes de aptidão. Porém, não seria nada bom que a tentativa de ser engraçadinho acabasse queimando o pavio curto do coronel Kim Jongwan — o homem que Jongin costumava chamar de pai.

Jongwan, responsável pela liderança do Primeiro Esquadrão, ficava integralmente comprometido com as atividades do trabalho. Mesmo assim, sempre dava um jeito de acompanhar cada passo do filho. Vigiar e controlar a vida de Jongin se tornou seu hobby. Não era um pai tolerante a falhas, é claro. O jovem Kim foi criado para ser exemplar, com uma carreira invejável, o mais próximo da perfeição humanamente possível. Afinal, era treinado para se tornar o próximo grandioso e respeitável coronel do esquadrão, para fazer jus à sua linhagem.

Se qualquer resquício de deboche, rebeldia ou arrogância que Jongin deixasse escapar encontrasse os olhos e ouvidos de Jongwan, seria o fim dos dias de paz entre eles. E não fazia muito tempo desde a última vez que a família Kim declarou armistício.

Jongin voltou a prestar atenção no formulário que preenchia. "Por que deseja se tornar membro das Forças Especiais?", era o que aquela parte do formulário pedia que informasse. Inicialmente, ele se sentiu desconfortável ao pensar com sinceridade sobre isso, então tentou apelar para algo bem-humorado, capaz de mascarar o que veio à sua mente. Mas precisava pensar em algo melhor para escrever ali. Achou que eu preciso seguir os passos do meu pai era ruim. Precisar não soava bonito e honroso como querer. E seguir também pegava mal. Não seria vergonhoso deixar tão explícito assim que não trilhava aquele caminho por vontade própria?

Nunca experimentei a indecisão, porque nunca precisei fazer muitas escolhas. E de uma coisa eu sempre tive certeza: fui moldado para ser como meu pai, talvez melhor, e é isso que almejo mais do que tudo. O próximo passo da minha trajetória é entrar para as Forças Especiais. Com meu empenho na execução de cada missão, quero retribuir à sociedade os privilégios que tive por crescer na elite. Desejo me tornar alguém melhor e, mais do que uma vaga, desejo uma chance para ser quem eu nasci para ser: um líder.

A resposta ficou genérica e melodramática. Jongin decidiu que essa era a melhor em que conseguiria pensar durante os minutos que lhe restavam para enviar o formulário preenchido. Não era uma resposta mentirosa, só não era exatamente o que ele digitaria se estivesse sendo sincero consigo mesmo e com os avaliadores. Ele se expressou de modo bem constrangedor e omitiu o descontentamento com a falta de liberdade para decidir o que fazer com o próprio futuro — que o corroía de dentro para fora. Ou seja, tirando as meias-verdades e algumas frases que jamais teria coragem de enunciar em voz alta sem enterrar a cabeça na areia de um deserto escaldante em seguida, estava tudo dentro dos conformes.

Olhos no HorizonteWhere stories live. Discover now