Eu estava sentada no refeitório com meu computador bem a minha frente. Minha tela totalmente em branco e eu observava o cursor piscar a cada segundo. Eu estava bloqueada de ideias, ainda não sabia como começar meu primeiro rascunho.
Tive entrevistas o suficiente com Vando e meu material já ganhava corpo, todas as noites eu acordei em um pulo de inspiração e escrevia tantos comentários sobre cada parte da história dele que agora eu estava com dificuldade de reunir tudo em algo que fizesse sentido.
Suspirei e escorreguei pela cadeira me esparramando em tédio e frustração, como poderia ser tão difícil mesmo fazendo aquilo por tanto tempo.Meus olhos passearam pelo salão observando todas as pessoas comendo e conversando. Tudo parecia tão simples pra elas, mas é claro que isso não era verdade. De repente uma figura me fez saltar da cadeira. Arrumei às pressas minhas coisas enfiando todas dentro da minha bolsa enorme e dei passos apressados em direção a ele.
-Bill, Bill! - Eu disse de pressa tentando alcançá-lo. Ele estava sozinho e muito elegante como sempre. - Está saindo pra almoçar? - Eu perguntei ofegante assim que ele parou.
Ele me olhou dos pés a cabeça e soltou um risinho faceiro. - O que você está aprontando? - Disse em um tom brincalhão.
- Estou tendo um bloqueio criativo. É gravíssimo!
-Okay. - ele disse pausadamente.
-Preciso respirar, comer algo, sei lá, distrair minha mente por alguns minutos.
Ele assentiu olhando ao redor. Parecia pensar em algo intrigante.
-Bom - ele disse ainda com os olhos para fora do prédio - Você já andou num desses? - apontou para um ônibus turístico que passava bem em frente.Vários turistas com máquinas fotográficas na mão e óculos de sol apontando para os grandes arranha-céus. Não pude deixar de sorrir.
-Vamos. - Disse dando pulinhos de felicidade.
Em dois anos morando em Nova York e não pude agir como uma turista nenhum dia, eu devia aquilo a mim mesma.Caminhamos até o ônibus e ele estava lotado de turistas empolgados e o guia animado narrava os pontos turísticos com entusiasmo. Bill encontrou um lugar no andar superior do ônibus de dois andares, com uma vista deslumbrante dos arranha-céus e das ruas movimentadas de Manhattan. Ele se vira para mim e me oferece seu braço para que eu possa acompanhá-lo até nossos lugares.
Enquanto o ônibus seguia seu caminho, eu não podia segurar a animação de estar ali naquele momento. Sentia-me num sonho podendo apenas viver uma tarde ensolarada sem pensar em trabalho por algumas horas. Virei para o lado e ofereci ajuda a um casal para tirar suas fotos, eles faziam poses fofas e eu retribuía sorrindo, de repente mais pessoas me pediam para ajudar com fotos e eu prontamente colocava minhas habilidades como fotógrafa em prática. Um casal de idosos se ofereceu para nos fotografar também e quase que automaticamente Bill nega, mas eu insisto e empresto o óculos em formato de estátua da liberdade e coloco em seu rosto. Ele dá uma risada contida e faz uma pose, era impossível não rir dele com aquele óculos, tirei várias fotos porque não sabia quando teria outra oportunidade daquelas.
Em um dos momentos o guia sugere que alguém levante para participar de uma brincadeira e cantar uma música no pequeno karaokê, eu levo a mão de Bill e ele fica sério instantaneamente negando com a cabeça.
-Sem chances. - Ele diz recolhendo seu braço.
-Sem timidez, isso não combina com você. - Eu disse me levantando em direção ao microfone, escolhi uma música muito conhecida da Celine Dion e comecei a cantar, tentando não desafinar tanto, as pessoas riam e me acompanhavam animadas balançando a cabeça. Começo a cantar mais alto apontando para Bill enquanto ele me olhava ainda com os óculos da estátua da liberdade. Caminhei até ele novamente e posicionei o microfone em sua boca sem esperança nenhuma que ele soubesse a letra.
Mas para a minha surpresa e excitação da plateia que nos olhava ao redor ele pega o microne. - Near, far, whereever you are. I believe that the heart does go on... - ele canta com o todo o coração. Eu gargalhava enquanto via sua performance inacreditável, eu não podia negar, o homem tinha um ritmo invejável. Ele se levanta e me enlaça com os braços nos balançando ao ritmo da música. -Once more, you open the door and you're here in my heart and my heart will gon on and on... - Cantamos compartilhando o mesmo microfone.
Ele que parecia relutante e desconfortável no começo agora dominava o momento e cativava a plateia compartilhando o microfone com cada um. Era impossível não se entregar ao som, peguei-me parando apenas para admirar aquele momento. Era um daqueles momentos que só existia aquele segundo de alegria. Ele retomou o olhar para mim e notou que eu o fitava e me devolveu o mesmo semblante.
Voltamos aos nossos lugares em meio à aplausos e um prêmio de participação. Entreguei a Bill, afinal ele era o grande movimentador de plateias.
À medida que o ônibus fazia uma parada em um dos pontos turísticos mais famosos de Manhattan, puxei Bill pela mão e o levei para um mirante com vista para a cidade.
Ali, era possível contemplar a grandiosidade de Nova York, todos os prédios e carros se movimentando rapidamente para todos os lugares, eram tantos sonhos se realizando e desmoronando ao mesmo tempo. Senti-me grata por poder compartilhar um momento de paz e admiração.
Enquanto o sol se punha no horizonte, iluminando o skyline da cidade, Bill me abraçou repentinamente, fiquei sem reação, mas não me afastei dos seus braços. Eu sabia que ele estava tentando se distanciar, mas também sabia que não era o que realmente queria.
O olhei pesarosa com medo de que ele se afastasse, mas ele não o fez. Permaneceu ali me fitando enquanto seus lábios pareciam ensaiar algum gracejo, mas nada foi dito. Eram tantas hesitações quando estávamos tão perto, não o via assim desde a primeira vez em que nos conhecemos e confesso que sentia saudade daquela pequena demonstração de intimidade que ele me oferecera. Sentia-me sortuda por deixá-lo assim.
Ele suspira.
-Talvez não seja tão fácil quanto eu pensei. - Ele diz e deposita um beijo na minha testa. O olho desafiando e ele entende o que deve fazer.
Seus dedos se entrelaçam nos meus fios de cabelo e finalmente nossos lábios se encontram.
Finalmente.
Fecho os olhos e sinto a brisa misturar ao seu perfume, gostaria de congelar aquele momento.
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Se puder não se apaixone
RomanceBill Wesher é um homem chegando à meia-idade cuja vida é marcada pela monotonia e previsibilidade. Tudo muda quando conhece uma jovem brasileira de 22 anos, que entra em sua vida de forma avassaladora. Emotiva, escandalosa e intrometida, ela é o opo...