O Custo da imagem

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Braelyn

Cada giro me frustra, cada bronca me deixa à beira do enlouquecimento. A pressão pela perfeição me sufoca. Enquanto tento acertar a pirueta, sinto as cutículas se despedaçando sob minhas unhas, um hábito que só piora com o estresse.

Meus pés ardem com cada passo, a exaustão pesa em meus músculos, e sinto o suor escorrendo pelo meu rosto enquanto tento desesperadamente completar a maldita pirueta.

Não entendo por que continuo. Odeio balé. Essa busca incessante pela perfeição me esgota e me faz questionar se vale a pena sacrificar tanto por algo que não amo.

É algo que minha mãe deveria fazer, não eu, já que ela quer mostrar tanto que é perfeita em tudo.

- Révérence. - Diz a professora. Nós nos alinhamos para a reverência final, nossas pernas em tendu, e braços formando um arco gracioso enquanto inclinamos o tronco. Aplaudimos a professora mecanicamente e saímos do estúdio, nossos passos em perfeita sincronia, mas meu coração fora de ritmo.

- Braelyn - Chama Cristine

- Sim. - Minha resposta é um sussurro.

- Sua pirueta está excelente, mas o chaînés... - ela hesita, buscando palavras que não soem como mais uma bronca. - Já faz duas semanas que você não o acerta. Teremos que convocar uma reunião com sua mãe.

Merda, merda, merda.

- Preciso entender o que está te distraindo a ponto de não se concentrar totalmente no balé.

- Acho que não será necessário uma reunião com a minha mãe, senhora Cristine. Você sabe que ela é ocupada. Prometo que na segunda-feira trarei um chaînés perfeito.

- Cobrarei sua promessa na segunda, senhorita Johnson. Por enquanto, Clarisse será a principal temporariamente. Tenha um bom final de semana. - Cristine sai do estúdio, e o vazio cresce ao meu redor.

Olho para o espelho, e a imagem que me encara é cansada, com pele amarelada e olheiras que parecem poços. Minhas mãos tremem, sem cutículas para roer. Pego minha bolsa e saio do estúdio, meus passos ressoando pelo corredor vazio.

Drake está à minha espera no Audi cinza. Entro no carro e tiro a sapatilha com um suspiro de alívio.

- Como foi hoje? - Drake pergunta, sua voz calma, um bálsamo em meu dia.

- Uma droga. - Respondo, encostando-me no banco do carro.

- Não daria essa resposta para sua mãe. - Diz, e eu acabo dando um leve sorriso.

- Bom... se ela pelo menos me deixasse expressar, eu sairia gritando vários palavrões pela casa. - Digo, e ele ri.

- Sua mãe é um pouco complicada. Não deixe a dureza dela mudar quem você é. - Suas palavras são reconfortantes, enquanto os portões da casa se abrem.

Despeço-me de Drake e entro, agradecida por não esbarrar com minha mãe. Nossa relação é um pouco estranha; ela deseja a filha perfeita da alta sociedade, e eu sou o oposto do que ela quer. Mas eu tento, tento alcançar a perfeição que ela deseja. Mas não consigo; perfeição não combina comigo. Eu quero ser livre, fazer coisas radicais, sentir a adrenalina pulsando em minhas veias. A impulsividade é o meu forte. Embora seja a impulsividade que muitas vezes me prejudica, eu gosto da sensação que ela me proporciona.

Após tomar meu banho, visto um vestido azul solto, faço um coque bagunçado e solto algumas mechas dos meus cachos na frente.

Desço as escadas com fome; acabei apenas almoçando, e isso está me matando. Aproximo-me da mesa e a governanta já está servindo meu prato de jantar.

- Boa noite, senhorita Johnson.

- Boa noite. - Respondo com um leve sorriso. Olho para o prato e não sinto prazer em comer coelho assado com legumes, mas é o que tem, então... Assim que dou a primeira garfada minha mãe entra na sala de jantar e se senta.

- O que é isso? - Ela me observa, seu olhar cortante. - Volte para o quarto, troque-se e passe uma maquiagem leve. Parece que saiu do subúrbio.

- Mãe, estamos em casa, não em uma festa. - Tento argumentar, mas sei que é inútil.

- Não é porque está em casa que deve ficar desleixada. Imagine se aparece algum convidado e vê você nesse estado. Vá logo. - Sua voz é cortante, e levanto-me, sentindo a frustração crescer.

Desde que meu pai nos deixou, parece que nada é suficiente para ela. Suas expectativas caem todas sobre mim, e me sufoco tentando alcançar um padrão inalcançável.

Volto com um vestido social e uma leve maquiagem.

- Perfeito. - Diz minha mãe assim que me sento. - Como foi a aula?

Uma droga.

- Bem. - Minto, cortando o coelho.

- Espero que esteja indo bem nas aulas. - Minha mãe comenta, com o olhar de sempre.

Estou longe disso.

- Já escolheram a principal para o papel na apresentação do aniversário da cidade no fim do mês?

Já, e claramente não fui eu.

- Ainda não. Talvez na segunda. - Digo, sem emoção.

- Amanhã será sua aula de etiqueta. Não se esqueça. Alarme às seis.

- Poderia ser às sete? Já que a aula começa às oito. Posso descansar um pouco mais.

- Não, às seis. E espero que não chegue depois disso.

- Mãe...

- Sim. - Diz, cortando seu coelho com maestria.

- Eu... eu poderia ir à festa de aniversário da filha dos Avellar? Podemos marcar as aulas de etiqueta para domingo...

- Você a conhece?

- Não... mas ela convidou o pessoal da nossa sala....

- Sua educação é uma prioridade maior do que o aniversário de alguém que você não conhece e, se conhecesse, não iria.

- Mãe, eu já passo a semana inteira fazendo o que você pede...

- Eu já disse que não. - Vocifera ríspida, colocando os talheres de lado e limpando a boca com um guardanapo branco, tão impecável quanto as nuvens.

Desfiro um soco na mesa, pela raiva crescente. - Eu já vou para aquele maldito balé...

- Olha como fala. Se continuar, vai subir sem jantar.

- Preferia estar morando com o pai. - Murmuro, travando meu maxilar.

- Ele não a quer. Se se importasse com você, ao menos ligaria.

- Ele liga, mas você não deixa ele falar comigo. Porque está com raiva por ele ter te deixado por outra...

- Já chega. - Interrompe, erguendo-se da cadeira rapidamente. - Já para seu quarto.

- Mas eu não terminei de jantar...

- E não vai terminar. Estará sem café da manhã também. Agora suba, antes que perca o almoço.

Arremesso o guardanapo na mesa e saio, os passos firmes ecoando com toda a raiva que me consome. Sempre é assim: do jeito que ela quer, no lugar que ela quer, com as amizades que ela escolhe. Nunca tenho voz.

Entro no meu quarto, as lágrimas escorrendo quentes pelas bochechas, carregando a tristeza que me invade. Abro o notebook, esperançosa por uma conexão com meu pai, mas a chamada vai direto para o correio de voz.

Uma coisa minha mãe tem razão: ele sequer liga para mim. E, quando liga, é para contar sobre as viagens incríveis que faz com Jasper, seu noivo.

Jasper, ao menos, é atencioso; os presentes que recebo em nome do meu pai, William, são escolha dele. Deixo que meu pai acredite que eu não sei que é Jasper, quem realmente se lembra dos meus aniversários, como os 16 anos que completei na semana passada.

A fachada da perfeição que minha mãe insiste em ostentar é apenas isso-uma fachada. No fundo, somos imperfeitos, como qualquer outra família, carregando nossas próprias fraturas e segredos.

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