A Aurora Mortal

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Ahoy Amigos!!!!
Como se as coisas já não estivessem ruins o bastante, o início do dia trará MAIS uma surpresa para Stephen...




A água escorria dos telhados de Catmandu, lavando-os da intensa poeira e da folhas que haviam ficado presas entre as telhas vermelhas, assopradas pelo vento horas antes da chuva despencar. Foi esse intenso gotejar que despertou Stephen suavemente do torpor propiciado pelo medicamento ingerido na noite passada, fazendo-o se remexer na cama para observar a luz pálida que entrava furtivamente pelas frestas na persiana.

Stephen não sabe quanto tempo ficou deitado ali, escutando os sons da cidade agitada. Ele já havia percebido que Catmandu e Nova York possuíam praticamente a mesma intensidade do barulho interruptível, porém suas composições eram diferentes. Nova York cantava eternamente uma única canção resultante da mistura do staccato de milhões de pessoas correndo de um lado para o outro, do tráfego e o zumbido histérico dos metrôs, enquanto que em Catmandu centenas de canções eram tocadas – resultantes das orações realizadas em templos budistas e hindus, dos sinos e gongos vindos dos velhos palácios, dos estrondos guturais de um trânsito intimidador, dos cânticos dos comerciantes e guias turísticos, do impacto do passado e do presente se encontrando e dançando em um caleidoscópio estonteante. Procurando sentir essas canções aos poucos controlarem os delicados espasmos do corpo, Stephen reuniu enfim energia para levantar da cama.

Foi conferir como Wes estava; o gremlin estava profundamente adormecido, coberto com a manta e sobre ela um edredom de oncinha, com exceção do braço conectado com o soro. Na TV ainda ligada, a propaganda de uma futura estréia estava sendo exibida no HBO; Wes deveria estar olhando Game of Thrones antes de cair no sono. Ele estava ficando melhor a cada dia, e logo poderia se levantar e ir ver Milena.

Sacudiu o cabelo, surpreso com o quanto ele havia crescido, e foi direto para o banheiro, mirando-se no espelho por um longo tempo, o barbeador meio frouxo em sua mão, como se não tivesse decidido ainda o que fazer com ele. Observou por alguns momentos seus olhos, herdados de sua mãe, com a diferença de que aqueles costumavam ser serenos e bonitos, em contraste com a pele bronzeada e firme. Assim, parado diante do espelho, ficou pensando em sua mãe, Beverly Strange, como há tempos evitava fazer, enquanto que os passarinhos orientais pipilavam do lado de fora da janela, os cânticos se elevavam e uma comerciante anunciava seus produtos. Então, como se de repente despertasse, fez a barba, escovou os dentes, tomou um banho decente do qual estava muito precisado e deixou seus aposentos, pela primeira vez em direção à cozinha e não a enfermaria. Preparou para si um sanduíche de doce de amendoim cremoso acompanhado de uma maçã, uma xícara de café e um copo de suco de laranja fresco. Comeu, tentando não devorar a comida de uma vez, surpreso com a avidez com que seu corpo aceitou o alimento; estava mais faminto do que imaginara. Depois, preparou uma grande caneca de chocolate com marshmallows, fritou guioza, ou pão chinês recheado com legumes e carne, assim como um cubo de bacon inteiro, encheu uma térmica com café e uma salada de ovos para Wes. Stephen calculou corretamente o tempo em que Wes ainda ficaria adormecido. Foi recebido com um sorriso devido à quantidade de comida condizente com seu apetite voraz.

- Está tudo muito bom. Arrasou, Steph.

- Fico feliz.

Stephen trocou o soro da criaturinha e depois dele garantir que estava ótimo, deixou o cômodo.

Fitou a escrivaninha e soltou um suspiro, se aproximando da pasta onde organizara os dados de Milena Garnelen, apercebendo-se de que a havia decorado. Havia a documentação básica de Milena, o histórico da familia, o histórico escolar, o atestado de óbito dos pais... nada de novo. A documentação se tornava relativamente escassa no que condizia com a saúde física da garota a partir da idade em que ela perdeu os pais. Os relatórios dos psicólogos confirmavam o choque provocado pelo ocorrido e a dificuldade com a mudança realizada devido à custódia passada ao avô. Muito calada e séria em sala de aula; uma breve desorganização com o material que foi gradualmente sendo corrigida, acabando por se tornar uma das alunas mais exemplares. Demonstrava nervosismo e ansiedade quando inquirida a interagir com a classe, não tendo o costume de falar a não ser quando questionada. Notas previsivelmente ruins nos primeiros trimestres, melhorando apenas o bastante naquele ano para impedir que repetisse no final, mais uma vez compreensível; mais tarde as notas mostrariam uma garota boa em quase todas as disciplinas com exceção de Matemática. Os relatos prosseguiam até ela completar treze anos e depois minguaram até restar apenas as observações realizadas pelos psicopedagogos: a Dra. Salatino não sabia dizer se Milena Garnelen possuía um controle emocional fora do comum ou absolutamente nulo. O Dr. Assis disse que ela não sabia verbalizar suas emoções, enquanto que Clarisse Fadel afirmava que a eficiência metabólica de Milena era extremamente desenvolvida.

Doutor Estranho: A AprendizaOnde histórias criam vida. Descubra agora