📓: uma detestável surpresa

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14 ANOS DEPOIS


Estava quente e úmido na Califórnia, mas também chovia e ventava de maneira desproporcional, como se um tsunami e um furacão estivessem para acontecer ao mesmo tempo.

As coisas eram assim agora.

Seus cabelos ventaram quando estacionou sua Trans AM na parte de trás da escola, na sessão dos professores. Chapiscos de chuva ricochetearam em seu rosto.

A maioria dos estudantes não tinham carro, o estacionamento deles era quase vazio, as coisas não eram mais como antigamente, a situação econômica estava indo de mal a pior, a juventude já não tinha os mesmos prospectos que sua geração teve, em suas mentes avulsas um cubículo alugado na vida adulta já os tornaria suficientemente privilegiados, não precisavam de um carro – uma bicicleta, motocicleta ou patinete já servia. Pobres criaturas, ele pensava.

Gerard conhecia cada um dos carros na ala dos professores, eram os mesmos há anos. Mas dessa vez, havia um novo ali. Um Fiat 500 marrom – um carro feio, minúsculo e sem gás, vibrância não existia no gosto partícular do dono daquele infeliz objeto – nada como as flamas no capô de sua Trans AM, aquele carro paupérrimo parecia a concha de um caramujo triste.

Não conseguiu antecipar sua curiosidade, caminhou em passos rápidos até a entrada da escola e passou pelo detector – havia sido instalado há alguns anos para prevenir atentados – alguns estudantes já caminhavam pelos corredores. Os veteranos o cumprimentavam e ele os cumprimentava de volta. Os adolescentes sempre pareciam mais motivados no início das aulas, isso mudava ao decorrer dos semestres.

Pegou o elevador ao invés das escadas gerais e foi direto para o 3° andar. A porta já estava aberta, encontrou Celine – a professora de francês – saindo com um copinho de café.

"Boas férias, Gerard?" Ela perguntou, simpática como sempre. Celine era uma francesa de cabelos loiros e olhos verdes, tinha um sotaque bonito e encantava a todos. Quando entrou no corpo docente, no ano anterior, teorizaram que ela estava constantemente dando em cima de todos – uma vez que franceses não eram conhecidos por serem tão legais assim – a perspectiva mudou quando um dos professores de matemática a viu no supermercado com a esposa e suas duas filhas gêmeas. Foi como se de repente ela fosse de uma mera oferecida para uma dona de casa respeitável.

"Sim. Visitei meu irmão na Irlanda. Ele está fazendo um ótimo trabalho com os novos achados arqueológicos. Um dinossauro inteiro, com todos os ossos intactos! Legal, não é?"

"Isso é incrível! Pode me mandar fotos, ou uma matéria? Minhas filhas adoram a era Mesozoica. Ficariam maluquinhas!"

"É claro, vou enviar algumas coisas mais tarde."

"Obrigado, querido." Ela ia quase passando, quando se virou de repente. "Ah, ouviu falar que vão introduzir uma nova matéria esse ano?"

"Sim." Gerard revirou os olhos em descaso. "Teologia. Como se os estudantes já não estivessem alienados o suficiente."

Ela balançou a cabeça em negação. "Não é esse tipo de Teologia. As crianças aprenderão sobre os mitos de um âmbito histórico e verdadeiramente científico." Ela se aproximou mais um pouco, em um cochicho. "O rapaz é um demonologo com mestrado em história. Achei interessantíssimo." Ela o deu as costas mas não antes de dá-lo uma piscadela divertida. "E é bonitinho. Tímido. Mas parece o seu tipo." O seu tipo. Ela queria dizer homossexual, provavelmente.

still there, sometimes ✝ frerardOnde histórias criam vida. Descubra agora