Quando seus dedos encostavam nas teclas do piano era como se tudo ao redor deixasse de existir, Harry poderia estar em qualquer lugar, no salão do palacete que pertencia a sua família, no meio de uma avenida ou, como era o caso, à direita do altar da catedral Londrina acompanhando a melodia cantada pelo coral.
Em 1912, o catolicismo seguia sendo a principal religião praticada na Europa, todos os domingos, sem falta, a igreja estava lotada, e Harry tinha sua parcela de participação nesse número, afinal, quem não dedicaria um hora do seu dia para assistir um garotinho de oito anos tocar divinamente cânticos centenários no piano?
Margaret Styles era uma mulher entusiasmada ao ver o filho tão dedicado, agradecia todos os dias pela sua decisão de comprar um piano para tentar aprender a tocar, acabou não aprendendo uma sequência sequer, mas em compensação seu filho precisou de pouquíssimas aulas para estar tocando canções inteiras acompanhando com atenção as partituras. A ideia de levá-lo para tocar na igreja foi sua, era mais que devota da religião católica, e seu maior sonho era que seu garoto no futuro se tornasse padre em virtude de realizar o sonho arruinado de seu irmão mais novo, que faleceu tragicamente antes de se ordenar.
Em contrapartida aos planos da senhora Styles, Charlie, o patriarca da família, precisava que o filho aprendesse tudo sobre negócios para quando adulto tomar a liderança da grande fábrica de tecidos que estava na família há séculos.
Se Charlie Styles pudesse escolher, seu filho nunca se tornaria padre, mas essa era uma decisão que só cabia a Harry, se sentisse que possuía vocação não deveria ignorá-la.
Mas Harry era um tanto... Indiferente em relação a tudo isso.
Recordando sua época da infância e da adolescência, Harry não se lembrava se um dia chegou a acreditar que iria para o céu.
Ele se lembrava bem das noites de domingo tocando calçado em sapatos apertados demais e terninhos muito sociais para uma criança de oito anos, passava a missa inteira reparando em tudo que conseguia, desde os bancos de madeira que cabiam entre cinco e seis pessoas, as senhoras com vestidos acinturados, por mais que a moda dos anos 10 ditasse outro tipo de modelagem, e ao porquê dos coroinhas parecerem tão intimidados ao precisarem ter qualquer interação com o padre.
Sabia da vontade de sua mãe que se tornasse padre e agradecia a Deus por saber que seu pai nunca permitiria que seu único filho abrisse mão de um império para se dedicar a igreja.
A religião em si nunca o interessou, principalmente quando após completar onze anos ter sido matriculado na catequese para realizar o sacramento da eucaristia, foi um longo ano aprendendo as orações básicas, os mandamentos de Deus e da igreja e escutando semanalmente o padre da catedral passar mais de uma hora dando um sermão sobre sua interpretação distorcida do evangelho que lia. Às vezes, quando entediado, Harry se pegava imaginando como seria passar uma lâmina afiada sobre a pele que cobria as cordas vocais do religioso velho e rabugento, sorria ao se perguntar se sua voz irritante continuaria a ser projetada após o sangue começar a escorrer, mas logo em seguida tentava afastar esses pensamentos de sua mente.
Somente aos quinze anos, a religião começou a ter algum sentido para si, no período em que iniciou seus estudos para a crisma e recebeu a sugestão de ler a Bíblia.
Ler nunca foi um dos hobbies principais na vida de Harry, mas ao tocar a capa de couro com letras douradas da Bíblia que pertencia a mãe, e ao abri-la sentir a sedosidade de suas folhas, sentou-se no assento mais próximo e iniciou sua leitura.
E Harry devorou a bíblia em dias, leu na ordem e em cada espaço de tempo livre que conseguia ter.
Entre tantos personagens que tiveram suas histórias contadas no livro sagrado, o que mais lhe causou fascínio foi aquele descrito como "o que se rebelou contra seu criador", "o falso anjo de luz", "pecador desde o princípio", entre outras descrições usadas para descrever aquele nomeado como o diabo.
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Do We Have a Deal?
FanficLúcifer, ou Louis para os mais íntimos, tem governado o inferno desde sua criação tal qual um rei comanda seu reino, com a única diferença de que na monarquia reis morrem e são substituídos, já a alma pecadora de Louis está destinada a vagar nas cha...