A heroína

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Passaram-se anos desde a minha primeira vez e tudo está diferente. Se você acorrenta um animal por muito tempo e não o alimenta, quando ele se solta, ele se torna uma besta descontrolada e se ele pegar gosto por esta nova face, você nunca mais irá conseguir prende-lo novamente, mas existe outra alternativa, é como dizem, a chave está no equilíbrio. Você não precisa sacrificar o animal, mas também não pode deixa-lo estraçalhando coisas por aí para se alimentar. Vocês podem entrar em um acordo, você pode colocar uma pequena fitinha em volta de seu pescoço, nada que aperte muito, ele não vai querer se sentir sufocado porque se isso acontecer, ele certamente vai te devorar, você pode passear com ele, pode se sentar com ele em meio a multidões, no seu serviço, nos seus relacionamentos, até em seus momentos religiosos, se você fizer as pazes com ele, ele vai andar com você, vai ser seu guia, as pessoas não vão saber que ele pode se transformar em uma besta a qualquer momento, mas saberão que não podem mexer com ele, sim, você precisa o manter por perto. No meu caso as pessoas não são capazes de vê-lo, mas podem senti-lo, é como um instinto natural, nós sabemos quando algo é perigoso. O divertido disso tudo é que as pessoas tendem a gostar do perigo e as que não gostam, bom, estas não me interessam.

Deixe-me situá-los...

Oito anos se passaram desde a primeira vez e muita coisa mudou, naquele dia eu descobri o meu propósito e é como dizem, quando você está trilhando o que você nasceu para ser, todo o universo conspira ao seu favor. Comigo não foi diferente, aquele dia me motivou a ter planos maiores, até então eu achava que era tudo sobre raiva e culpa e naquele dia realmente foi e precisou ser, mas eu me exorcizei, o sangue do João me purificou e eu percebi que podia ir muito mais além, que tudo aquilo poderia ser maior, afinal de contas qual a graça de ser capaz de produzir um espetáculo tão grande e não ter ninguém para assistir? Não se enganem, a raiva continua aí, a culpa, a ira, está tudo aqui, guardadinho, como um animal numa coleira fininha, pronto para sair, mas se você soma estes sentimentos a outros, quando a equação se torna mais complexa, amor/ódio, vida/morte, brutalidade/delicadeza, inocência/heresia, aí o que nós temos deixa de ser uma barbárie descoordenada e se torna arte e a arte precisa ser vista, se não ela perde seu sentido. Qual o propósito da arte se não tocar almas? Algumas coisas ainda estão mudando e vocês farão parte deste grande show.

E como toda boa história de vilões precisa de um bom herói agora lhes apresento a nossa heroína.

* * *

Quinta feira , 09:00 horas.

Três batidas ritmadas na porta "Mateus" pensei, a ideia de criar uma batida especifica na porta foi dele, mas achei a dinâmica divertida, na verdade toda dinâmica com ele era divertida, ele é um bom menino, educado, inteligente, profundo, leal e obediente e com altas tendências sadomasoquistas, a forma como nos conectamos também é igualmente divertida. As relações dominadora/submisso, mestra/servo são muito bem vindas quando retiradas da conotação sexual e aplicadas ao dia a dia, tem uma serventia muito maior e com certeza traz uma veracidade muito maior à fantasia, que no nosso dele, para sua sorte, deixou de ser só ficcional e se tornou real. Mateus não era o primeiro que aparecia em minha vida com este propósito, mas foi o único que conquistou minha atenção e confiança, bom não o único, mas o único que continuou vivo. A dualidade da sua ingenuidade com sua morbidez combinava com minhas facetas e como bónus era um excelente hacker.

_Bom dia, minha senhora. – Ele disse fazendo uma reverência com a cabeça e beijando minha mão enquanto me pedia "bênção", tradição antiga para os sacerdotes e sacerdotisas. Mateus me olhava sempre de baixo para cima como forma de respeito e eu sempre respondia o olhando de cima a baixo, é assim que as coisas funcionam em sua fantasia, eu sou apenas uma facilitadora de seus desejos ou um pouco do contrário...

A Dama de Vermelho - O olhar de uma assassinaOnde histórias criam vida. Descubra agora