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Elijah Boulder

O sol das duas da tarde já se antecipava quando finalmente entramos no meu jatinho. Kai parecia mais relaxado, cumprimentando a equipe de voo com um aceno silencioso enquanto mastigava sua goma medicinal, como se ela fosse uma distração e não apenas um remédio contra o mal-estar que ele sentia nas viagens aéreas.

— Vou tirar uma soneca, pai. Me acorda antes do pouso. Quero filmar o mar lá de cima e mandar para uma amiga... — disse ele, a voz revelando um traço de frenesi contido.

Deixou a mochila e o smoking na primeira poltrona que encontrou e caminhou até a poltrona que prometia mais conforto.

— Ainda é a modelo? — indaguei, não conseguindo esconder a curiosidade.

— Seu filho se apega facilmente ao que o satisfaz, Sr. Boulder — respondeu com um brilho de travessura nos olhos, um sorriso quase imperceptível nos lábios.

Era incrível como eu o conhecia bem, como éramos iguais em muitos aspectos, como nossa conexão dava uma surra em qualquer vínculo sanguíneo. A familiaridade de seus gestos, a maneira como sorria, como sua testa se enrugava levemente quando estava prestes a fazer uma piada, tudo era um espelho das minhas próprias tendências.

— Só não esqueça que você tem apenas dezesseis anos e aquela moça já completou dezoito. — Minha advertência foi suave, mas necessária.

— Sou um cara de família, meu pai. Fiel à ficante, o senhor sabe — ele rebateu, e seu sorriso se alargou, revelando a confiança de alguém que acredita ter o mundo aos seus pés.

Apenas assenti, acompanhando-o pela aeronave luxuosa e altamente tecnológica, reflexo da Zenith Dynamics, empresa que construí do zero e que tão rapidamente se tornou um império norte-americano.

Christopher, magnata em ascensão no segmento de motos esportivas, já estava a bordo, acomodado em seu assento com a tranquilidade de alguém que não só conhecia a velocidade da minha aeronave, mas que também compartilhava comigo o legado de prioridades que herdamos de nosso pai.

— Finalmente, Christ! — Kai disse, estendendo a mão para o tio com um high-five. — Desculpa atrasar vocês.

— Hematoma bacana... — Christopher brincou.

— Bacana foi ter deixado um babaca respirar depois de ter me feito quase perder uma carta de recomendação — Kai rebateu.

— Mas veja como essa criança está rebelde... — O tio tentou cutucar a barriga do sobrinho, que se esquivou.

— Ah, não comece!

— No meu tempo, punição por brigas na escola era ficar meses sem mesada e videogame, não um retiro californiano. — Christopher continuou mantendo o tom de brincadeira.

— Mais fácil meu pai me entregar um videogame para desenvolver como punição — disse meu garoto, se jogando na poltrona ao lado com um suspiro dramático e colocando o fone no ouvido. — É por isso que eu adoro esse cara — completou, inflando meu orgulho paternal.

As turbinas da aeronave começaram a emitir seu zumbido característico e me sentei ao lado de Christopher.

Minha mente oscilava entre a antecipação pelo evento que se aproximava e o prazer que sempre acompanhava a responsabilidade de discursar para novatos do ramo e simpatizantes da causa que tanto defendíamos.

— Parece que nosso plano pós-evento foi por água abaixo, não é? — Christopher murmurou, sua voz um sopro quase perdido no crescente e quase imperceptível ronco das máquinas.

O. C. R.Onde histórias criam vida. Descubra agora