2 - Pesadelo

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" Eu sou maior que o meu corpo
Eu sou mais fria que está casa
Sou mais cruel que meus demônios
Sou maior que estes ossos"

Control ~ Halsey


Luna Águila

É meu aniversário, a festa está em plena euforia

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É meu aniversário, a festa está em plena euforia. Lexia segura minha mão, e por um breve instante, sinto aquela paz que pensei nunca ter. Mas logo o ar começa a pesar, as vozes distorcem, a luz amarela suave se torna alaranjada e pulsante.

De repente, o cenário muda, como se uma cortina de fumaça aparecesse. O som de risos é substituído por gritos estridentes, desesperados. A música se distorce num ruído infernal enquanto o calor se torna insuportável. Eu posso sentir o cheiro inconfundível de carne queimada, e quando olho ao redor, vejo labaredas devorando as paredes, as mesas, as pessoas.

Tento correr, mas meus pés parecem presos ao chão. O fogo avança, devorando tudo. Vejo minha mãe caindo, a pele sendo consumida pelas chamas, os olhos dela cheios de dor e súplica. Tenta gritar, mas sua voz não sai. Tudo parece em câmera lenta, enquanto o terror me sufoca.

O som de uma explosão ecoa, e sou arremessada contra uma parede. A dor é lancinante, o calor me envolve, queimando minha pele. Lexia desapareceu. A fumaça negra a engole e... Ela some. A dúvida me corrói: "Ela sabia? Ela... fez isso?"

Tento me levantar, mas o chão é uma mistura de cinzas e sangue. No meio do caos, algo brilha à minha frente: a cabeça de minha irmã, envolta em sangue seco, uma estrela gravada na testa como uma marca macabra de quem causou tudo aquilo, e de repente, tenho a resposta para minha pergunta anterior. A visão é aterrorizante, os olhos sem vida me olham, como se a culpa fosse toda minha.

E era.

Desperto abruptamente com um grito, meu peito doendo pelas fortes batidas do coração. Lágrimas escorrem pela minha face, a respiração entalada na garganta me faz sufocar, me lembrando de quando tentava buscar ar daquela sala cheia de fumaça. A seda da camisola grudando na minha pele úmida de suor confirmava o pânico que o sonho me causou, assim como a roupa de cama bagunçada, testemunha silenciosa do meu sofrimento noturno e recorrente.

Meus olhos vasculham desesperados pelo quarto a procura de algum sinal daquele fogo incessante, passo as mãos pelos braços freneticamente para ter certeza de que não há aquele fogo que queimava em meus sonhos. Mas mesmo vendo que não há nada, a sensação persiste. Essa sensação sempre persistiría. Como se minha pele estivesse sendo consumida novamente. Um soluço involuntário escapa da minha garganta e tampo minha boca, apertando meus olhos força, sentindo o gosto salgado das lágrimas quentes, tão quentes que tinha medo de me queimar.

Esse pesadelo me persegue. Não, não somente um pesadelo, mas uma lembrança indesejada. A mais sombria de todas as outras construídas nesses últimos dois anos.

Deslizando as mãos por meus braços uma última vez, me levanto depressa e vou ao banheiro, ligando a torneira e deixando a banheira se encher de água fria. Aproximo meu corpo da bancada da pia e espalmo minhas mãos ali. Minha aparência era miserável, meu rosto molhado com lágrimas que ainda insistem em cair, os olhos inchados, nariz avermelhado em contraste com a palidez assustadora do meu rosto. Só hoje, percebi que perdi peso, estou definitivamente mais magra. Sim, ela acabou comigo de todas as formas possíveis. Não sei quanto tempo fico me encarando, quando saio da minha bolha, a banheira já está cheia e eu tomo um demorado banho gelado, porque se eu sentir algo quente em minha pele, sinto que aquela chama antiga irá se acender novamente.

Após de me secar, coloco uma blusa curta na cor preta, que deixa meu abdômen à mostra, mas de gola alta e mangas compridas. Uma calça jeans e botas sem saltos. Penteio meu cabelo, e prendo os fios curtos em um pequeno "rabo de cavalo". De estômago vazio, saio para ir ao Stand de Tiro. Meu ponto de paz.

                                        ~


O stand de tiro do Leni é um espaço moderno e funcional, é um espaço seguro, neutro, onde pessoas das duas máfias podem frequentar, já que fica no meio da cidade, em uma região fora do domínio da Águila e dos Innocenti. A área dominada pelo Estado, mesmo ele sendo comprado pelas máfias, mas não somente por uma delas. As paredes, revestidas com material resistente, absorvem o som dos tiros. Uma fileira de bancadas alinhadas oferece espaço para atiradores, cada uma equipada com suportes para armas e estojos de munição. Eu estou sozinha no segundo andar. Mandei evacuar esse andar. Por mais que esse lugar seja uma terra de ninguém, o Leni é inteligente o suficiente para obedecer algumas pequenas ordens.

O som dos saltos de minhas botas ecoa pelo ambiente, enquanto ando até uma das bancadas com armas e munição, as linhas demarcadas no chão indicam as posições seguras para os atiradores. O cheiro característico de pólvora está no ar, fazendo meu nariz arder, uma mistura única que se entrelaça com o zumbido constante dos dispositivos de ventilação.

As janelas protetoras, feitas de vidro resistente, oferecem visões panorâmicas das áreas de tiro. A iluminação é fraca, pequenas lâmpadas penduradas no teto, dificultando ver os detalhes  das armas. No centro, instrutores habilidosos costumam circular por ali, oferecendo orientações precisas enquanto mantêm uma postura firme diante da disciplina essencial para o treinamento de tiro. Mas agora só havia eu e minha mente cruel ali. Precisava descarregar toda a tensão do sonho.

Espalmo minhas mãos na mesa onde estavam algumas armas, e meus olhos se fixam nas pequenas cicatrizes nelas. Aquele sonho indesejado, martelava na minha mente, me torturando de todas as formas possíveis e mais sombrias. Minha pele ainda ardia como uma chama antiga, e minha mente era um emaranhado de pensamentos incoerentes.

Pego a primeira arma a minha disposição na bancada, satisfeita ao sentir seu peso reconfortante e o gelado em minha mão, e a verifico percebendo que já está carregada, fazendo um clique alto ao destrava-lá. Aperto um pequeno botão vermelho no canto da bancada e ouço o som metálico do alvo se afastando, estalando quando para. Sem colocar os óculos de proteção e nem os tampões de ouvido, miro para atirar, já tão acostumada ao estrondo dos tiros quanto ao ato de respirar.

Puxo o gatilho, um estampido alto rompendo o silêncio da sala, mantenho meus membros firmes, tentando não os deixar mexer muito com o impulso da arma a cada tiro, os cartuchos caindo sobre a bancada. O aroma intenso da pólvora queimava minhas narinas. Ao terminar, apoio a arma na bancada cuidadosamente e aciono o botão vermelho novamente, fazendo o alvo se aproximar. O alvo revela mais buracos do que uma peneira. Desprendo o que restou dele do suporte e deixo-o ao meu lado, substituindo-o por um novo. O som metálico ecoa novamente quando aciono o botão. Minha terapia se iniciando outra vez.

Set me on fire | Romance SáficoOnde histórias criam vida. Descubra agora