17 - 17 tiros

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" Mas eu não preciso de drogas
Porque eu já estou chapada o suficiente
Você me pegou de jeito
Já estou drogada o suficiente"

High Enough ~ K.Flay

Luna Águila

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Luna Águila

Há cinco anos

Os sons dos tiros consecutivos soavam abafados pelos fones de ouvido. O cheiro da pólvora fazia minhas narinas arderem mas me inebriava ao mesmo tempo, e os óculos protetores me incomodavam. Os tiros eram uma espécie de escapatória para o meu temperamento neste momento, mas ao mesmo tempo que me relaxava, me irritavam mais, por não conseguir - ainda - manter minhas mãos firmes após os solavancos dos tiros disparados.

Quando descarreguei a AK-47, a bati contra o balcão à minha frente urrando de raiva. Por que diabos sou tão boa com a maioria das armas, mas com as de alta precisão, não? Treino a tanto tempo, caralho. Sei todas as regras. Postura firme, pés afastados paralelamente, cotovelos flexionados levemente, olhos focados, respiração compassada.

Bufei fortemente e pela terceira vez na noite, pressionei o botão vermelho, ouvindo o som metálico do alvo vindo em minha direção. O destaquei do suporte, vendo todas as perfurações de bala. Todas seriam fatais, mas nenhuma digna de tanta precisão como a que eu tinha em outras armas mais leves. Sinto minha frustração aumentar.

Coloco outro alvo no suporte e o assisto se afastar novamente. Agora, pegando uma Glock 17, para suprir um pouco das minhas frustrações, ponho a munição e miro no rosto do boneco desenhado. No lugar do alvo, podia visualizar com exatidão cada pequeno traço do rosto de meu pai. Seu sorriso arrogante e de satisfação ao perceber seu êxito em me prender a um acordo de matrimônio. Mais um noivado arranjado. E dessa vez com uma ordem expressa de que eu não poderia o rejeitar.

Posicionei o dedo no gatilho, e com uma respiração profunda, atirei.

17 tiros.

O primeiro tiro acertou exatamente no círculo menor no centro do rosto do boneco, e os próximos cinco, espalhados em forma circular pelo segundo círculo menor. Os outros onze tiros, bem, foram onde extravasei mais, os distribuindo de maneira aleatória pelo alvo, podendo imaginar com clareza a fonte de minha raiva e a quantidade de sangue que sairia se fosse uma pessoa, não um simples boneco.

Sentindo-me mais relaxada, abaixei meus braços, relaxando meus ombros e soltei uma lufada de ar. Giro minha cabeça querendo afrouxar os músculos enquanto ponho a Glock 17 sobre a mesa, no meio da diversidade de armas, em seguida me livrei dos irritantes óculos e ao tirar os fones de ouvido, ouço:

— Impressionante — uma voz feminina e levemente rouca soa atrás de mim, e sinto meu cenho se franzir, me virando lentamente para ver quem se atreveu a entrar na mesma sala que eu — Não queria ser esse boneco.

Quando meus olhos pousam sobre a imagem da dona da voz, sinto meus músculos, antes brevemente relaxados, se contraírem rapidamente. Já vi fotos e vídeos o suficiente para gravar cada detalhe do seu rosto, para ter certeza de quê a reconheceria em qualquer situação. Meu pai me fez estudar minuciosamente cada passo, cada respiração dessa mulher, afim de me manter preparada para absolutamente tudo, mas definitivamente não para isso, nem para esse lugar.

Ela já fez coisa muito pior com pessoas, do que eu fiz com esse alvo.

Ela estava recostada no batente da porta, de braços cruzados, roupas pretas que cobriam cada centímetro de sua pele, desde as mãos enluvadas até às botas cano alto, e um sorriso zombeteiro enquanto me encarava.

— No México não ensinam que é falta de educação deixarem as pessoas falando sozinhas? — ela solta uma risada frouxa e põe as mãos nos bolsos da calça de couro — Acho que não preciso me apresentar.

— Definitivamente, não — Lexia ergue uma sobrancelha e sorri de lado.

— Olha só, ela sabe falar. Estudou muito sobre mim?

— Não por minha vontade.

Ela assente com a cabeça.

— Então, pelo menos seu pai fez um bom trabalho em algo, instruindo a bonequinha de porcelana dele sobre as ameaças — desdenha.

Sinto meu sangue borbulhando e cruzo meus braços, fincando as unhas curtas em minha pele.

— Você não é uma ameaça — digo elevando minha cabeça e endireitando a postura.

— Seu pai acha que sim — se afasta da parede e se aproxima de mim. — Aliás, ele não acha, ele sabe que sou uma ameaça.

— Não, você não é. É só mais uma rata daquela escória que é a Innocenti — digo em desafio.

Sim, meu pai a vê como uma ameaça. E sim, ela também é só mais um dos cães que vivem de um lado para o outro seguindo Salvatore Innocenti - pai de Lexia e Don da Innocenti - subornando quem precisa, prendendo, ameaçando, torturando e matando. As duas últimas, são especialidade dela. A herdeira dessa máfia de merda.

— Cuidado com a boca — seu tom de voz fica mais baixo e seu olhar parece de um animal selvagem prestes a atacar — ou vai acabar com ela cheia de insetos, ragazza.

— Acha que é a primeira a me ameaçar? — pergunto, elevando um pouco minha cabeça para a enxergar, pois tenho alguns centímetros a menos que ela.

— Com essa sua boquinha atrevida? — seu olhar desce para meus lábios e se fixam alí — Com certeza, não.

— O que está fazendo aqui? — posso sentir sua respiração batendo contra meu rosto.

— Vim treinar — responde como se fosse óbvio.

— Devo acreditar nisso, presumo. — Rio sem humor.

— Não faz diferença para mim.

Ela se afasta de abrupto e acompanho cada movimento seu, tendo em mente a arma dentro de minha bota, e que estamos na merda de um território neutro.

Ela se move como uma onça prestes a atacar. A herdeira da Innocenti observa os três alvos marcados por tiros no chão, depois se abaixa e pega o terceiro, com marcas de balas maiores, da AK-47, e o eleva como se estivesse mostrando para alguém.

— Quem imaginou? — perguntou analisando o alvo.

— Ninguém.

— É muito improvável ter tanta raiva de um simples papel — retruca e olha para meu último alvo, que ainda está suspenso pelo suporte e aponta para ele — aquilo, é profissional — se vira e me olha, balançando o alvo da AK-47 em sua mão — isso, é amador.

Sinto minha respiração acelerar e tenho vontade de sacar minha arma e mostrar para ela o que a "amadora" pode fazer.

— Mas que porra você quer?!

— Calma, bela mía. — A cretina parece estar se divertindo — Você está perdendo a mira.

— O quê?

Ela apontou para o círculo menor, onde foi o primeiro tiro.

— Esse foi perfeito, mas depois de atirar, você perde a mira para observar se acertou, continua atirando, e — aponta para outro buraco de bala, bem distante do primeiro — isso acontece.

Ela põe o alvo no chão novamente e anda calmamente em direção a mim, parando em minha frente.

— Não tire o olho da mira. Não pare para ver se acertou. Você é boa, não vai errar — dito isso, ela pisca um olho para mim com um sorriso sacana estampado no rosto, e me contorna, passando por mim para a saída.

— Acabou de me ensinar outro jeito de te matar um dia. — Digo sem olhar em sua direção e escuto sua risada.

— De nada.

Set me on fire | Romance SáficoOnde histórias criam vida. Descubra agora