𝚌𝚊𝚙𝚒́𝚝𝚞𝚕𝚘 𝟽

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Foram dias sombrios na vida de Franco, uma semana havia se passado desde o velório de sua filha e ele tinha se isolado do mundo.

Paul passava horas e horas sentado na varanda bebendo cerveja e fumando Marlboro, com uma melancólica esperança de que seu amigo fosse aparecer, mas isso não acontecia mais, ele sentiu seu coração se partir em mil pedaços dentro do peito... Paul nunca tinha amado ninguém na vida, não conseguia se colocar no lugar do amigo, tinha muita dificuldade de criar empatia por qualquer ser existente, mas dessa vez estava enlouquecido de saudade e preocupação.

Foi então que decidiu atravessar aquela rodovia, que agora lhe dava calafrios, e bateu na porta da casa da frente... Algum tempo depois som de passos se aproximando o avisaram que alguém vinha ali:
-Paul - disse ele, com a voz baixa na fresta da porta que abriu - Precisa de algo?

-De você - ele respondeu, tirando o chapéu da cabeça e colocando no peito - Sinto saudade da nossa amizade.

Franco suspirou, e esboçou um sorriso triste:
-Foi mal cara, tô sem cabeça pra conversar, ultimamente me sinto melhor bebendo sozinho.

Paul colocou a bota na fresta da porta antes que ele a fechasse, e pediu:
-Só hoje, por favor, me deixa te tirar um pouco daí de dentro.

Depois de muito hesitar, Franco criou coragem e deu o primeiro passo pro lado de fora, sentiu o coração disparar e as mãos suarem frias quando olhou para aquela maldita rodovia, flashbacks invadiam sua cabeça e ele relutava pra não cair no choro.

Paul abraçou o amigo e disse:
-Vai ser difícil passar por esse lugar, mas eu tô te segurando, você não vai cair - ele apertou o ombro de Franco, que sorriu com os olhos marejados.

...

Era a primeira vez que Franco entrava de fato na casa de Paul, subiu as escadas para o segundo andar e conheceu o quarto do amigo, que cheirava a couro velho e cigarro, mas ele não se importou, apenas sentou na beirada da cama e acendeu um cigarro, enquanto Paul fumava encostado na janela.

-Sabe qual é a parte mais difícil? - começou Franco, refletindo - A Laurie me culpa, claro que ela não fala isso com palavras, mas a forma como me olha, ela assusta toda vez que eu a toco, sente repulsa por mim, eu falhei como pai e ela sempre vai...

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-Sabe qual é a parte mais difícil? - começou Franco, refletindo - A Laurie me culpa, claro que ela não fala isso com palavras, mas a forma como me olha, ela assusta toda vez que eu a toco, sente repulsa por mim, eu falhei como pai e ela sempre vai lembrar da filha que perdemos quando olhar pro meu rosto... E ela tem razão nisso, foi algo imperdoável.

Paul baixou o olhar para as botas e soprou a fumaça, depois foi se sentar ao lado do amigo:
-Em uma tragédia, todos são culpados ao mesmo tempo que ninguém de fato é, porque se for pensar, ela teve culpa de não levar a Nicole ao treino do irmão, eu tive culpa por estar te entretendo naquela hora, o cachorro teve culpa de correr pro lugar errado, o caminheiro teve culpa por estar bêbado e dirigindo em alta velocidade... Se todos são culpados, quem deve de fato carregar o peso da culpa?!

Franco franziu o cenho e olhou no fundo dos olhos do amigo, estava impressionado com o quão sábio aquele cowboy rústico podia ser, alguém tão solitário e assustador tinha de fato um coração humano dentro de si.
-É bizarro como você tem uma coleção de armas ali no cristaleiro e ao mesmo tempo não mataria uma mosca, porque eu vejo bondade em você Paul.

Aquilo dilacerou Paul por dentro, que tapou o rosto com a mão e quase soluçou pra não chorar:
-Não fala isso, eu não sou uma boa pessoa, mas eu me importo com você, e por você, eu quero melhorar.

Os dois se abraçaram, dessa vez o abraço foi o mais intenso e demorado possível, choraram no ombro um do outro, Paul não se lembrava da última vez que tinha chorado, mas agora queria colocar pra fora toda a angústia e medo de ter que ceifar a vida daquele que ele estava apaixonado.

Choraram até a exaustão, até que a luz parasse de entrar pela janela e o quarto mergulhasse na penumbra da noite, cansados, tiraram as botas e deitaram na cama, acenderam cigarros e ficaram encarando o teto, em silêncio, pois não havia nada a ser dito, eles apenas queriam a companhia um do outro, não as palavras vazias, mas o preenchimento de estar com que se ama.

-Te conheço a menos de um mês, e é como se eu te conhecesse a vida inteira - Disse Franco, com uma mão atrás da cabeça, fumando - Não sei nada sobre você, mas parece que sei o suficiente.

-Eu queria ter a chance de te falar tudo que eu penso e o que eu faço - Paul lamentou - Mas isso me colocaria em uma situação foda de lidar, então acho que esse é um bom lugar que encontramos na nossa amizade.

Franco então fez algo impensado, que se arrependeu segundos após ter feito, ele pegou na mão do amigo e apertou firme:
-Perder a Nicole tá me deixando insano cara, eu tenho pensamentos que nunca tive antes, ou melhor, já tive, mas agora tá ficando mais forte.

-Quer me contar?

-Tipo agora - ele sentiu as lágrimas escorrerem quentes no rosto - Minha vontade é deixar tudo pra trás, minhas terras, minha família, fugir da responsabilidade de uma vida pesada e ficar com você em um lugar isolado do mundo, sair de cavalo do seu lado e só parar quando estivermos bem longe, tá ligado?!

Paul sentiu cócegas na barriga, ele odiava se sentir daquele jeito pois era um ponto fraco seu sendo descoberto por ele mesmo, em sua profissão ele tinha aprendido que quanto mais pessoas se ama, mas alvos você cria em suas costas... Só que dessa vez era inevitável, ele queria beijar o Franco, queria possuir ele, estava absurdamente apaixonado, fascinado por aquele homem.

-Não pode abandonar aqueles que precisam de você - respondeu Paul, abraçando o amigo por trás, os dois deitados na cama - Mas só por um momento, a gente pode fingir que só tem eu você no mundo, o que me diz cowboy?

Franco deixou que ele o abraçasse, sentiu o calor do corpo de Paul, seu braço ao redor do corpo, e fechou os olhos, apertando com força, ele não tinha nada a dizer.

𝐀 𝐮́𝐥𝐭𝐢𝐦𝐚 𝐯𝐢́𝐭𝐢𝐦𝐚 𝐧𝐨 𝐓𝐞𝐱𝐚𝐬Onde histórias criam vida. Descubra agora