Verdade n° 1: Minha mãe não fala comigo desde que Íris morreu. E acho que ela nunca vai falar.
É Felipe quem me busca no hospital. Me abraça e coloca minha mala na parte de trás do seu carro, uma picape branca com uma medalhinha de São Francisco de Assis no retrovisor que balança sempre que ele freia ou faz curvas. Pede desculpas porque está atrasado, mas dou de ombros para ele saber que está tudo bem.
Não achei que papai ou mamãe fossem aparecer, mas mesmo assim fico um pouco decepcionada quando vejo Felipe. Ele é meu meio-irmão, filho bastardo do meu pai, e sua presença é como um aviso de como as coisas funcionam desde que tudo aconteceu: ele nunca foi aceito, e agora estou trancada para fora da família junto a ele.
- Era a sua médica, a mulher que se despediu de você?
Concordo com a cabeça, sem querer conversar.
- Vou trazer você para a terapia semanal. Como é um pouco longe vamos ter que sair mais cedo.
Eu concordo novamente.
Do banco de trás, Íris puxa o meu cabelo. Minha irmã sempre se deu bem com ele. Torço para que ela suma em breve, como faz às vezes, quando não há nada que a interesse acontecendo, mas ela permanece sentada no meio do banco traseiro, olhando pela janela. Não deveria me surpreender, porque todas as vezes em que Felipe foi me visitar no hospital ela sempre permaneceu por perto.
Eu me me viro e encosto a cabeça no vidro, olhando a paisagem mudar. Saindo do hospital há uma cidade grande e então campos e fazendas e mais campos até chegar na nossa cidade. Felipe tenta puxar assunto algumas vezes, mas quando percebe que não tem sucesso ele liga o rádio e para de falar comigo.
A última vez que estive em Licário eu tinha doze anos, mas nada parece ter mudado. É uma cidade pequena mas bonita, e minha família vinha tomando conta dela desde sempre. Meu pai é o prefeito, meu avô era o prefeito, e mesmo nas gerações anteriores todos os homens da família tiveram papéis de importância na construção da cidade. Tudo ia às mil maravilhas, ou pelo menos era isso que nós demonstrávamos para todos, até que Íris morreu e eu fui internada. Na única vez que Atena foi me visitar, ela disse que eu tinha estragado a vida deles.
Para ser sincera, mesmo antes da internação eu já não teria acreditado nisso. Nossa vida em casa estava longe de ser perfeita como todos se esforçavam para aparentar. Meus pais, Dafne e Nero, tiveram cinco filhos: Aquiles, Atena, Eu, Íris e Melissa. Aquiles e Felipe tinham apenas dois meses de diferença, o que tornava Felipe o meu meio-irmão mais velho. Ele não participava da nossa família de verdade, não levava o nome do meu pai, mas todos sabiam a verdade. Como esse escândalo aconteceu logo no começo do casamento dos meus pais, Nero ficou mais esperto e escondeu melhor seus casos depois disso. Tinha certeza que haviam outros meio-irmãos por aí, mas não seria eu quem iria procurar.
Meus pais se casaram cedo, aos dezenove anos, porque era o costume da família. Atena também se casou cedo, porque mamãe descobriu que ela tinha transado com o namorado. Ela tinha dezessete anos, era cinco anos mais velha que Íris e eu. Foi no dia do seu casamento que Íris morreu, quando todos estavam ocupados com a festa. Então, quando ela disse que eu tinha estragado a vida deles, eu disse que ia matar ela também. Depois disso minha irmã nunca mais apareceu.
Além deles quatro tenho uma irmã mais nova, que tinha três anos quando eu fui embora e agora tem nove anos. Eu não conheço ela, não sei como ela é ou do que ela gosta ou como ela se parece. Talvez eles tenham tido outros filhos nesses seis anos, e ninguém me avisou.
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As Dez Verdades de Cassandra
Ficțiune generalăApós a morte precoce da irmã gêmea, Cassandra passou seis anos em uma instituição para jovens com problemas mentais. Aos dezoito, quando é liberada para voltar ao convivío familiar, tudo está diferente: seus irmãos mais velhos estão casados, sua irm...