Verdade n°10: Eu matei minha irmã, mas ela continua comigo. Ela vai ficar comigo para sempre.
Atena praticamente não fala comigo no hospital. Eu encontro com ela todas as semanas após minha consulta com a dra. Daniele, mas ela não conversa comigo. Felipe disse que eu devo dar mais tempo para ela e ela iria melhorar, mas eu só acreditei quando Íris me disse que Atena começou a participar de algumas atividades do hospital, aos pouquinhos.
Íris divide seu tempo entre nós e ela, cidade e hospital. Com o fim do julgamento, nós fomos embora de Licária para uma cidade nova, que fica mais perto de Atena. Não são mais horas e horas para chegar até ela, mas nossa irmã não gosta de visitas então vamos até lá só de vez em quando. Exceto eu, mas porque não posso faltar nas minhas sessões de terapia.
Nossa nova casa é pequena, tem apenas o andar térreo e está sempre meio bagunçada. O cachorro que Felipe deu para Melissa solta pêlos em excesso e temos que tirar tudo do seu alcance para que ele não devore nem quebre. Mas ele também parece estar sempre sorrindo e foi quem conseguiu deixar Melissa mais animada depois de tudo que aconteceu, então eu faço carinho e deixo que ele deite na minha cama às vezes, mas só quando Caio não está.
Felipe abriu um consultório novo, e ele é tão movimentado quanto o antigo. Não que qualquer um de nós precise de dinheiro. Mesmo com a casa dos meus pais sendo vendida por um preço muito abaixo do mercado, a herança que ele e mamãe deixaram é o bastante para que eu ainda esteja sem trabalhar, apenas pensando no que eu vou querer fazer da minha vida. Talvez eu dê uma chance para a Universidade onde Caio está dando aula, ou talvez tente fazer alguma coisa diferente. Talvez não faça nada. Ainda não decidi.
É um alívio estar em um lugar onde ninguém sabe quem somos. Os vizinhos nos enxergam apenas como uma família normal, sem imaginar toda a tragédia que tem nos seguido há anos e que, finalmente, parece não nos encontrar mais.
Maya mora em um pequeno apartamento perto da nossa casa, e ensina na escola em que Melissa estuda. Às vezes elas voltam juntas para casa, e às vezes ela fica para dormir conosco. Não sei realmente em que pé ela e Felipe estão. Há algum tempo perguntei se eles estavam juntos e Felipe me disse que não, que eram apenas amigos, mas ele ficou tão sem graça que eu só consegui pensar que era mentira.
Também não precisa ser nenhum especialista para notar o jeito como eles, aos poucos, parecem voltar a derreter na presença um do outro, exatamente como faziam na adolescência. A maneira como ele se ilumina quando ela está por perto ou o jeito como ela sorri para ele. As vezes é como naquela primeira tarde, quando eu e Íris estivemos com eles no quintal da casa da mãe de Felipe. Não sei se eles percebem ou fingem não perceber, mas todos nós já notamos.
Sei que não é fácil para Maya. Perguntei, uma vez, se ela tinha ficado aliviada com a morte de Aquiles. Estávamos sentadas no quintal, Melissa e Felipe estavam um pouco afastados dando banho no Caramelo.
Ela olhou para os dois, olhou para mim, e então assentiu.
- Sei que ela não fez isso por mim, mas Atena salvou minha vida. A de todos nós. Eu não consigo nem imaginar o que seus pais teriam feito com Felipe, comigo, com você, até mesmo com Caio... Você entende, não?
Não sei o que pensar sobre o que Atena fez. Sei que eu não fiquei feliz com a morte deles, mas também não posso dizer que fiquei triste. Não sei definir o sentimento, e a dra. Daniele me diz que tudo bem não definir nada agora. Mas eu entendo o que ela quis dizer. É a mesma exata preocupação que eu tive naquela noite, antes de saber o que Atena tinha feito.
Nós nos distraímos com a risada de Melissa, e Maya mudou de assunto. Aos dez anos ela se parece cada vez mais com Íris, mas ao mesmo tempo é tão diferente de qualquer um de nós. É uma criança normal, criada por alguém que a ama tanto que, mesmo após todos os traumas, ela ainda consegue rir. Eu sempre fico feliz quando constato que ela tem algo que eu demorei dezenove anos para ter.
VOCÊ ESTÁ LENDO
As Dez Verdades de Cassandra
Fiksi UmumApós a morte precoce da irmã gêmea, Cassandra passou seis anos em uma instituição para jovens com problemas mentais. Aos dezoito, quando é liberada para voltar ao convivío familiar, tudo está diferente: seus irmãos mais velhos estão casados, sua irm...