Verdade n° 7

28 6 43
                                    

Verdade n°7: Melissa é a melhor de nós. Espero que ela seja sempre a melhor de nós.


Combinei com Felipe que vou ficar na recepção da clínica por uma semana porque a sua recepcionista está de atestado. Disse para ele que não achava que ia fazer um bom trabalho para atrair clientes, mas ele me respondeu que não tinha problema. Aceitei porque Íris ficou me perturbando, mas também porque Felipe fez muito por mim e eu posso fazer isso por ele para tentar nivelar as coisas.

Então estou sentada atrás da mesa enquanto Íris está jogada no sofá. Felipe veio sentar ao meu lado e estamos os três sem nada para fazer porque desde que me sentei aqui nenhuma das muitas pessoas que passam na rua e espiam pela fachada de vidro teve coragem de entrar.

- Eu não aguento mais isso. - Íris resmunga, rolando para o chão.

Quero dizer a ela que nós aguentamos muito mais marasmo no hospital, mas Felipe está aqui então apenas a repreendo com o olhar. Ela se levanta e apoia o rosto nas mãos, se debruçando na bancada. Analisa Felipe, que está no celular, e me dirige o olhar.

- Pergunta pra ele sobre a Maya - sugere.

Eu a ignoro.

- Por favor, Cassie. Você não quer saber?

Nosso meio-irmão está de jaleco, e por baixo usa uma blusa surrada com estampa de rock. O consultório dele não é tão grande, mas é organizado. Há duas salas equipadas, a sala de espera e uma espécie de canil aos fundos. Na parede da sala de espera há muitas fotos de animais que passaram por aqui. Pela quantidade sei que esse é um lugar muito popular.

Felipe era o garoto mais descolado que nós conhecíamos. Era popular e não da maneira como Aquiles era: tinha uma banda, sua namorada usava o cabelo colorido, andava com o grupo de jovens que não se encaixava exatamente na nossa cidadezinha. Mas mesmo na sua subversão era gentil e educado. O tipo de garoto que ajudava as senhorinhas a carregar sacolas de compras e atravessar a rua, Quando Íris morreu ele não morava aqui, tinha se mudado de maneira definitiva para a cidade onde fez faculdade e tinha acabado de se formar.

- Por que você continuou em Licária? - pergunto. - Foi por minha causa?

Ele larga o celular, girando na cadeira para me olhar. Posso ver que ele está surpreso com a pergunta.

- Era mais fácil para ficar de olho em você - confessa. - E então a minha mãe adoeceu, e era mais fácil para ficar de olho nela também.

A mãe dele morreu quando eu estava no hospital. Sei disso porque ele me contou. Imagino ele aos vinte e quatro anos, dividindo seu tempo entre visitar a meia-irmã que está internada por ter assassinado sua gêmea e cuidar da mãe, e sinto uma onda de afeto por ele. Sei que Íris também sente, porque ela dá a volta no balcão e o abraça. É bom que ela faça isso, porque eu não tenho coragem.

- E por que você não vai embora agora?

Ele dá de ombros.

- Minha vida toda está aqui agora. Tem o consultório, você acabou de voltar para casa, Melissa ainda é tão nova... - e então ele sorri, e me diz com sarcasmo - Gostaria de ficar de olho para que ela não se torne uma garotinha odiosa como Atena. Como tem sido a sua vida em casa? Ela e Aquiles estão te tratando bem?

Penso nas minhas roupas rasgadas, em Atena chorando ao espiar a ex-namorada, no silêncio da minha mãe e no olhar odioso de papai. Dessa vez sou eu quem dou de ombros.

- Maya me deu algumas roupas dela.

Felipe fica em silêncio por um momento. Sei que o silêncio dele é pela menção de Maya, e sei que Íris também percebe porque trocamos um olhar. Ele ainda gosta dela. É a essa conclusão que chegamos. Finalmente, ele sorri para mim e dessa vez parece um pouco mais inquieto, ansioso por mudar de assunto. Não sei se pela minha resposta evasiva sobre a maneira como nossos irmãos me tratam ou porque ele não quer pensar na nossa cunhada.

As Dez Verdades de CassandraOnde histórias criam vida. Descubra agora