Capítulo 15 (QUATRO DIAS DEPOIS)

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QUATRO DIAS DEPOIS

Empurro a porta pesada de vidro e o sino por cima dele se queixa, num passo estou dentro da pequena loja, o atendente logo tira os seus olhos do livro e lança-os para mim sem o mesmo interesse com que volta a apreciar o livro. Eterna Estação invernal. Vejo o título, me seguro para não comentar sobre.

Me coloco entre as estantes, ele não parece amigável, por isso não considerei cumprimenta-lo, muito bem, o que estou fazendo aqui? Procurando um diário, não sei como se escolhe isso e além do mais quando é para uma menina.

Edna me contou sobre o diário e mais outras mil coisas, até sobre os pesadelos, passei alguns dias pensando em como ajudá-la, não acho que nada que ela esteja fazendo seja saudável. 

Como  primeiro passo para tudo, agendamos fazer algumas mudanças hoje: carregar suas coisas de volta para o quarto dela, reorganizar elas, muitas coisas podem se passar em noventa e seis horas pelos vistos, não voltamos a falar da caixa, se ela não tocou nesse ponto então, devo deixar por enquanto, até por quê já estamos fazendo alguma coisa e isso é bom. 

Meus olhos encontram um caderno bastante decorado e de capa rocha, tiro ela da estante, analiso, tem a cara dela, é bonito, abro e viro as páginas, as folhas são macias, posso dizer que fazem carinhos nos dedos, decido, é esse que vou comprar.

*****

Edna

– O quarto ficou bonito. – Mamãe comenta, meu pai não diz nada, está bastante entretido com o seu dedo enrolando e desenrolando o cabelo longo da mamãe, gosto quando as coisas estão desse jeito, calmas, numa paz depreciável.

– Ele parece gostar bastante dela. – Escuto a mamãe, lanço um olhar para ela, assim percebo que suas mãos estão segurando uma caneca.

– Gosto dele mas não podemos baixar a guarda.  

Papai passa a mão no ombro dela e aproxima-a para perto, termino de limpar os pratos e copos, ouço do lado de fora o barulho de um motor a se aproximar, quando parece que a máquina de combustão irá entrar em casa, o motor desliga, me estico para bisbilhotar da janela, é Dério, é rápido com as compras, melhor do que eu que faço horas procurando sem ler os cartazes pendurados no topo dos corredores. 

Ângela e Nicola disputam para abrir a porta quando duas batidas soam, em suas cabecinhas devem estar pensando que é uma de suas amigas, voltam desapontadas e se jogando no sofá. Me livro dos meus trapos de trabalhadora de casa e vou até a sala, quando o vejo nada dissemos, nos dirigimos para o novo antigo quarto.

– Porta aberta. – Papai exige da sala e as minhas irmãs soltam os seus risos irritantes.

– Eu tenho uma surpresa. – Se coloca afrente da porta, noto que está com as mãos escondidas atrás das costas.

– O que é?! – Tento espreitar, mas recusa-se a mostrar sem fazer suspense.

– Um novo membro, não sei, isso seria estranho... Vamos chamar ele de amigo, sim. – Está conversando consigo mesmo, rio disso.

– Para e me mostre, Dério. – Peço, segura um sorriso junto de uma careta bem engraçada, me lembra Jim Carrey e suas caras.

– Voilá! – Exibe um caderno de capa rocha e flores estampadas, um livrete volumoso.

– Um caderno? – Indago. Aborrecido, revira os olhos e bufa, despercebo o que será o objeto senão mais que um caderno.

– Um diário. – Senta ao meu lado. – Será nosso, você tem mais de cem páginas no diário da Elisabeth, isso é fantástico. – Não acho que seja fantástico continuar o diário de sua irmã pensando que ela poderá ver os dias mesmo após sua morte.

– Talvez você seja escritora e eu nem saiba. – Pensa em voz alta, me leva junto nessa suposição.

– Não, não acho. – Nego, se escrever sobre problemas fosse um hobbie para todos os humanos da terra, todos nós seríamos escritores.

– Ainda é cedo para dizer não. – Optimista, ressalva o ponto, arranco o diário de suas mãos, o observo, escolheu um bonito.

– Obrigada. – Digo.

– Você não tem de que. – Sorri para mim, meu rosto cora automaticamente e faz meus olhos caírem no objeto em minhas mãos feito de muito papel empilhado, me lembro que seria justo darmos juntos um nome a ele, eu serei a dona e ele obviamente tem o direito de participar nessa cerimonia por ter me dado.

– Como vamos chamar ele?

– Está se referindo ao diário? – Estranha apontando nele.

– Sim. – Demoro para responder.

Ri nasalmente. – Não sei, não dou nome a objectos. – Chamaria-o de ignorante por magoar-me tão despropositadamente.

Respiro fundo. – Este diário provavelmente nos acompanhará por anos. – Exibo a quantidade de folhas. – Deve ter um nome. – Exijo. – Vamos dar um nome a ele.

– Eu gosto de coisas autenticas. – Recita uma das minhas falas, sorrio.

– Então? – Incito.

Busco por alguma coisa. – E se for Orwell?

– Orwell? De 1984?

– Sim.

– Não precisa estar relacionado a literatura, muito clichê.

– Eu amo clichês. – Desafia-me.

– Será nosso, devemos concordar.

– Tudo bem. – Levanta as mãos em redenção. – Fica com você, porque já estou pensando em chamar ele de Ahern.

– Não conheço esse escritor. – Falo.

– Cecilia Ahern, P.S: Eu amo você. – Descodifica, mesmo assim, não me recordo de nada.

– Agendar para outro dia a apresentação de Cecilia Ahern à Edna. – Finge que uma das suas mãos é uma caneta e a outra é um bloco de notas, seguro a risada.

– Agora... Força, busque um nome. – Pede.

Vasculho na minha biblioteca mental, Frank, não, Yosef, não, Charles, nem pensar, Charles? Nome de garoto nerd descolado, cruzes! Cascão?! Como o mundo da Mônica veio parar aqui? Pressiono a testa, encontrar um nome é bem mais difícil.

– Chaver... – Diz do nada.

– Chaver?

– Sim, Chaver, amigo em Hebraico.

– Você fala hebraíco? – Indago surpresa.

– Eu vi no Google. – Levanta o telefone, não suporto, rio.

– Então... Será Chaver! – Digo, me aproximo um pouco da mesinha ao pé da minha antiga nova cama, pego na caneta, afasto a capa do diário e do lado de dentro escrevo em letras delicadas "Chaver".

Em onze meses da minha vidaOnde histórias criam vida. Descubra agora