Sobreviver

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O tempo parecia ter uma forma cruel de se arrastar para Carol. Cada minuto era uma eternidade de angústia, cada hora uma tortura sem fim. O sol, que outrora irradiava alegria e esperança, agora apenas lançava sombras sombrias sobre o vazio que a consumia. Os dias se tornaram uma sequência indistinta de dor insuportável e as noites, um desfile interminável de pesadelos e remorsos. Carol foi forçada a adotar um ritmo de vida dolorosamente lento, algo que ia contra sua própria natureza. As instruções médicas eram severas: repouso absoluto. Cidinha, sua mãe, veio do interior para cuidar dela, mas nem o carinho maternal parecia aliviar a dor penetrante.

Deitada na cama, Carol passava horas encarando o teto, buscando respostas no caos que a envolvia. A culpa a devorava por dentro, cada pensamento uma lâmina afiada que cortava sua alma. "Eu devia ter sido mais cuidadosa... devia ter escutado meu corpo", repetia-se, num mantra de auto-flagelação. Pensava constantemente em como seria ter o seu bebé nos braços, ouvir o seu primeiro choro, ver o seu primeiro sorriso. Essas imagens a assombravam, mergulhando-a mais fundo no abismo da dor. Aos 39 anos, sabia que a gravidez era arriscada. Sempre que pensava nisso, o pânico a sufocava e uma dor aguda atravessava seu peito. "Será que terei outra chance? E se meu corpo nunca mais me permitir tentar de novo?", perguntava-se, enquanto o desespero a envolvia como um manto sufocante.

Carol começou a se fechar para o mundo, isolando-se até daqueles que mais amava. Cidinha, percebendo o quanto a filha se afundava na própria dor, tentava desesperadamente puxá-la de volta. "Carol, meu amor, você precisa sair um pouco, respirar um ar fresco", dizia, sentando-se ao lado da cama, passando os dedos pelos cabelos da filha, tentando alcançar o coração ferido de Carol. "Não pode se deixar consumir por essa dor, filha"

"Mãe, por favor, eu só quero ficar aqui. Me deixa em paz!", a voz de Carol saía embargada, um sussurro rouco, carregado de sofrimento. "Não tenho forças para nada... não mais"

Cidinha suspirou profundamente, sentindo o peso da dor da filha cravar em seu próprio coração. "Você é forte, minha filha... sempre foi. Há tantas pessoas que te amam, que querem te ver bem. Eu sei que agora parece impossível, mas essa dor vai passar, confia em mim..."

As noites eram ainda piores. Carol afundava-se em pesadelos implacáveis que a perseguiam, noite após noite, mergulhando-a num ciclo interminável de agonia e culpa. Em seus sonhos, via uma criança que nunca conhecera - um filho que existia apenas em sua mente. Ele a encarava com olhos cheios de dor e acusação, como se a culpasse por algo insuportável, algo que nunca poderia ser desfeito. Ela estendia as mãos para o filho, tentando alcançá-lo, tentando salvá-lo, mas o pequeno corpo escapava de seus dedos trêmulos, afastando-se cada vez mais, até desaparecer em um abismo escuro de onde parecia não haver retorno.

Em um dos pesadelos, o menino se virou para ela pela primeira vez e falou com uma voz que era ao mesmo tempo infantil e repleta de uma dor que parecia impossível para uma criança.

"Mamãe, por que me deixou?", ele perguntou, seus olhos grandes castanhos refletindo um abismo de tristeza.

"Meu amor, eu não queria... eu juro que não queria...", Carol respondia, a voz falhando, lágrimas escorrendo pelo rosto. "Eu tentei... eu fiz o meu melhor... me desculpa, filho!"

"Você não me quis o suficiente, mamãe", a voz do menino insistia, ecoando na escuridão. "Você me abandonou..."

"Não!", Carol gritava, estendendo as mãos, mas o menino continuava a se afastar, desaparecendo na escuridão, enquanto ela ficava impotente, presa na dor e na culpa.

Acordava suada, o peito apertado por uma dor esmagadora, o coração batendo descontroladamente, como se quisesse fugir do seu peito. O peso invisível de uma culpa inescapável a esmagava contra a cama, e por um longo momento após acordar, ela ficava ali, imóvel, tentando desesperadamente lembrar-se de respirar, de sentir algo além daquela dor incessante.

"Além das Quadras" RosattazOnde histórias criam vida. Descubra agora