Presságio na Escuridão

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{-Não existe força sem esforço. A ficha me mostrou quem eu sou, mas é nas escolhas que farei a partir de agora que descobrirei quem posso me tornar. Nessa jornada, o simples fato de resistir já é um ato de transformação.}

O silêncio que se seguiu ao término da ficha de personagem foi interrompido de maneira abrupta quando me levantei de uma vez, como se algo me impelisse a sair dali. Meus amigos pararam de rir e conversar por um instante, encarando-me com expressões confusas. A atmosfera de descontração que os envolvia parecia tão distante agora, como se estivesse em um mundo completamente diferente do meu.

"Que foi, Far?" a voz de May cortou o ar, seu tom carregado de curiosidade e uma leve preocupação.

Eu não tinha uma boa desculpa preparada, e as palavras que saíram de minha boca soaram apressadas e desconexas.
"Vou no banheiro, já volto."

Nalta, um dos meus amigos mais próximos, arqueou a sobrancelha, desconfiado.
"Ele mal deu um gole no chope, e já vai no banheiro?"
Ele riu, mas sua risada estava cheia de incerteza.

Não me importei em responder. A necessidade de me afastar era urgente, quase instintiva. Caminhei rapidamente, os sons do bar ficando cada vez mais distantes à medida que me aproximava do rio. Era um local isolado, cercado por árvores, onde eu sabia que poderia ficar sozinho. O luar refletia suavemente nas águas tranquilas, criando um cenário que contrastava violentamente com o turbilhão em minha mente.

Olhei para a ficha de personagem, que ainda pairava diante de mim, etérea e, ao mesmo tempo, estranhamente real. Meus pensamentos estavam caóticos, saltando entre a incredulidade e a certeza de que algo monumental acabara de acontecer. Mas ao mesmo tempo, não conseguia afastar uma sensação amarga que se instalava no fundo do meu ser.

(É só isso?) pensei, observando os números que agora definiam minha existência.
Força: 1.2.
Agilidade: 1.5.
Vitalidade: 1.6.
Força Espiritual: 1.8.
Quantidades tão pequenas, quase insignificantes. Eu sempre soube que não era alguém especial, mas ver isso traduzido em números dessa forma era como uma bofetada na cara.

Eu me encostei em uma árvore, sentindo a aspereza da casca contra minhas costas. A ficha de personagem parecia zombar de mim, uma prova física da minha simplicidade. Tudo que eu era, tudo que eu havia vivido, reduzido a alguns números. Uma vida de vinte anos resumida a um punhado de dados.

Por um momento, questionei minha sanidade. Será que estava mesmo alucinando? Talvez tivesse lido tantas histórias de fantasia que minha mente estivesse tentando criar uma fuga da realidade. Talvez tudo isso não passasse de uma ilusão criada pelo meu desejo desesperado de ser mais do que sou. Mas, por mais que quisesse acreditar nisso, não podia negar a sensação que me dominava. Era real demais, palpável demais.

Passei os dedos pelo rosto, tentando me acalmar. As informações da ficha continuavam lá, imóveis, como se estivessem gravadas na própria realidade. Por mais que eu tentasse encontrar uma explicação racional, algo dentro de mim sabia que aquilo era verdade. Não era uma alucinação, não era um devaneio. Era um novo começo, por mais simples e banal que parecesse.

Mas a simplicidade dos números não afastava a dor da percepção. Será que era isso tudo que eu era? Um humano regular com atributos medíocres, vivendo uma vida medíocre? Meus olhos se fixaram na "Força Espiritual: 1.8", o único número que parecia ter algum significado maior. Senti uma pontada de esperança, uma fagulha de algo que poderia crescer se eu o alimentasse corretamente. Mas ao mesmo tempo, era uma força que eu não compreendia, uma energia que parecia espreitar nas sombras, esperando o momento certo para se revelar completamente.

Farlier - O DesgraçadoOnde histórias criam vida. Descubra agora