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No dia seguinte, cheguei à escola mais cedo que o habitual. Havia algo de tranquilizador em organizar a sala de aula antes que os alunos começassem a chegar, preparando o ambiente para o que viria. Depois de ajeitar tudo, dirigi-me à sala dos professores, desejando aproveitar a calma daquele início de manhã, acompanhado apenas por um café quente.

A sala estava vazia, como eu gostava. Quando o espaço era só meu, as ideias pareciam fluir melhor, e eu me permitia um breve momento de paz antes do início das aulas. Contudo, essa quietude foi interrompida pelo som suave da porta se abrindo. Olhei para ver quem entrava e, para minha surpresa, uma mulher morena apareceu, seus olhos de amêndoa brilhando com a luz suave da manhã.

Ela era alta, com pernas longas e esguias, que se destacavam sob uma saia estilo secretária. Seus cabelos lisos e escuros emolduravam um rosto sereno, realçado pela camisa social branca que ela vestia. Quando me viu, um sorriso meigo curvou seus lábios.

— Bom dia, Archer — disse ela, sua voz suave, porém firme, preenchendo o espaço vazio.

Havia algo na maneira como ela me olhou, uma mistura de familiaridade e respeito que me deixou um tanto desconcertado, embora eu não demonstrasse. Eu a conhecia vagamente, uma colega, embora nossos caminhos raramente se cruzassem.

— Bom dia — respondi, esboçando um sorriso cortês. — Chegou cedo hoje.

Ela deu alguns passos para dentro da sala, aproximando-se da bancada de café, seus movimentos fluidos e seguros. — Tive que adiantar algumas coisas — disse ela, enquanto se servia de uma xícara de café. — E você? O que o trouxe tão cedo?

— Gosto de preparar a sala com antecedência — expliquei, pegando minha própria xícara. — E aprecio a calma antes do início do dia.

Ela assentiu, levando a xícara aos lábios. — Posso entender isso. Às vezes, esse é o único momento de tranquilidade que temos.

Por um instante, ficamos em silêncio, apenas o som do café sendo mexido quebrando a quietude. Havia algo reconfortante naquela troca, uma simplicidade que, de certa forma, me fazia lembrar de como as interações poderiam ser descomplicadas, sem as camadas de complexidade que eu vinha enfrentando em outros aspectos da minha vida.

— Ah, eu sou Sophie, caso tenha esquecido meu nome — disse ela, com um toque de humor em sua voz, estendendo a mão em minha direção.

— Claro, Sophie, não esqueci — respondi, apertando sua mão com um sorriso ligeiramente mais relaxado. — Desculpe por não ter mencionado antes.

Ela riu levemente. — Sem problemas, Archer. Espero que tenhamos um bom dia.

Ela se afastou, indo para uma das mesas no fundo da sala.

Sophie era professora de artes, com formação em arquitetura, naquela escola, uma figura bem conhecida em seu departamento. Nossas alas, no entanto, ficavam em extremos opostos do campus. Enquanto ela lidava com o concreto, o vidro e as estruturas modernas, eu estava imerso nos versos antigos e nas narrativas clássicas. Mesmo que nossos mundos acadêmicos fossem distintos, havia um certo respeito mútuo, pelo menos da minha parte.

Eu, com um sobrenome reconhecido, carregava a expectativa e o peso de uma tradição familiar, mas, apesar disso, era "apenas" um professor de literatura clássica. Meu foco sempre foi a beleza atemporal das palavras, os ecos de civilizações antigas, e os ensinamentos que resistem ao tempo. Em um campus onde a inovação e a modernidade eram muitas vezes celebradas, minha disciplina poderia ser vista como uma relíquia, algo respeitável, mas talvez não tão valorizado quanto os campos mais "pragmáticos" como a arquitetura.

Suspirei fundo e deixei a sala, ainda com os pensamentos dispersos. Mal havia dado alguns passos pelo corredor quando, de repente, esbarrei com força em alguém. O impacto foi tão inesperado que soltei a xícara de café que levava, e o líquido quente se espalhou, atingindo parte das nossas roupas.

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