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Por um breve instante, o tempo pareceu suspenso. As palavras de Carla ecoavam em minha mente, misturando-se com o tom definitivo do diretor. Duas sentenças que, separadamente, já seriam devastadoras, agora se fundiam em um golpe só.

Olhei para o diretor, tentando recompor minha expressão. Ele, com um olhar impassível, aguardava que eu processasse a informação. Desliguei o celular, sem sequer responder a Carla. Não havia o que dizer naquele momento.

— Por quê? — perguntei, com a voz mais firme do que me sentia.

— Reclamações constantes de conduta inadequada — respondeu o diretor, sem rodeios. — Sua postura com os alunos, suas interações... Precisamos manter um ambiente que reflita nossos valores.

Meu coração batia acelerado. Tudo o que construí estava ruindo diante de mim.

— O que o senhor quer dizer com isso? — perguntei, sem esconder o desconforto.

O diretor me olhou por cima dos óculos, sua expressão era de impaciência.

— Há rumores, professor. Especulações sobre sua conduta, especialmente em relação a uma aluna em particular. Juven Harper.

Senti o chão se abrir sob meus pés. Juven? Isso era inconcebível.

— Rumores? — repeti, tentando absorver o que ele dizia. — O senhor está se baseando em boatos para me demitir?

— Não se trata apenas de boatos, Archer. São as aparências, as percepções. Nesta escola, isso é o suficiente para comprometer nossa imagem. Precisamos agir antes que as coisas se agravem.

Fiquei em silêncio por um momento, as palavras dele ecoando na minha mente. Era isso? Eu estava sendo punido por algo que nem sequer aconteceu, por meras percepções distorcidas?

— Quem disse isso? — perguntei, já com uma suspeita crescendo em minha mente. Sophie. Ninguém mais, ninguém menos do que ela.

O diretor hesitou por um instante, mas logo continuou.

— Isso não vem ao caso, Archer. O importante é que a situação chegou a um ponto insustentável, e a escola não pode se dar ao luxo de esperar por uma explicação.

Sophie. Claro que era ela. Desde o início, suas provocações veladas, os olhares de reprovação. Sempre esperando uma oportunidade para me derrubar. E agora, ela tinha conseguido.

— Então é isso? Minha carreira destruída por insinuações e mal-entendidos? Juven só tem quatorze anos. Isso é loucura! — soltei, sem conseguir mais conter a frustração.

— A decisão já foi tomada — repetiu o diretor, seco. — E é definitiva.

— Esse foi o motivo da falta de Juven hoje? O que Sophie inventou? — questionei, já somando as peças desse quebra-cabeça.

O diretor franziu o cenho, claramente desconfortável com a direção que a conversa estava tomando.

— Não posso falar sobre a ausência de alunos, Archer. Mas o que posso dizer é que Sophie não inventou nada. Apenas reportou o que observou e o que foi dito por outros.

Meu sangue ferveu. "O que foi dito por outros?" Aquilo era ridículo. Sophie sempre soube jogar suas cartas, manipulando os fatos a seu favor, e agora havia arrastado Juven para isso.

— Isso é uma armadilha — murmurei, mais para mim mesmo do que para ele. —  Senhor, ontem Sophie me pediu uma carona, e durante o trajeto, ela tentou flertar comigo. Eu a neguei. Jamais faria algo com meus alunos. O senhor conhece meu histórico, está em todos os meus currículos! — falei com firmeza, tentando controlar a tensão crescente.

O diretor me olhou por um momento, avaliando minhas palavras, mas sua expressão permaneceu inabalável.

— Archer, entendo que você tenha sua versão dos fatos, mas estamos lidando com algo mais delicado do que apenas um desentendimento pessoal. As aparências são tudo aqui. Mesmo que o que você diz seja verdade, a situação já passou dos limites do que podemos ignorar.

Eu sabia que argumentar mais seria inútil. Sophie havia me jogado contra uma parede, e agora eu pagaria o preço por recusar suas investidas.

— Isso é loucura! — rebati, sentindo o calor da indignação queimar dentro de mim.

— Sim, tanta que retiraram Juven desta escola - o diretor respondeu, elevando o tom, o rosto rígido. — Você tem noção do quanto os pais dela são influentes? Tive que implorar para que o caso não viesse a público!

Senti um baque no peito ao ouvir aquilo. Retiraram Juven? Isso não podia estar acontecendo. Tudo por causa de uma mentira criada por Sophie.

— Então, o senhor preferiu acreditar nas palavras dela sem sequer investigar? — minha voz saiu dura, cortante. — Estão destruindo a vida de uma jovem e a minha com base em fofocas e insinuações.

— Não é tão simples, Archer — ele replicou, respirando fundo. — Quando o nome dos pais de Juven foi envolvido, a situação se tornou insustentável.

— Juven não disse nada? Ela sabe que eu não seria capaz disso! — perguntei, desesperado.

— Eu não sei, os pais apenas compareceram. — O diretor respondeu com um tom de cansaço. — Por favor, Archer, não vamos dificultar isso. Apenas pegue suas coisas e vá embora. Sei que você encontrará emprego em outras escolas.

Aquelas palavras soaram como uma sentença final. Meu mundo estava desmoronando, e eu não tinha mais argumentos. Apenas olhei para o diretor, sabendo que essa batalha estava perdida. Com um suspiro profundo, comecei a reunir minhas coisas, o peso da injustiça pesando sobre meus ombros.

Dirigi-me para a sala dos professores, apressado em reunir minhas coisas, enquanto os murmúrios e olhares curiosos começavam a me perturbar. Não demorou para que eu percebesse que não apenas Sophie, mas também os alunos que costumavam implicar com Juven, aqueles cujos comportamentos eu corrigi semanas atrás, estavam envolvidos.

Como podiam adolescentes ser tão cruéis? O peso da traição e a injustiça do que estava acontecendo pesavam sobre mim. Cada gesto e sussurro parecia intensificar o sentimento de derrota que eu estava tentando aceitar.

Ao mesmo tempo, a notícia da gravidez de Carla me atingia com um peso inesperado. Nunca quis filhos, mas não me cuidei durante as férias de verão, foi naquele maldito momento, naquela praia, que tudo começou.

A partir de então, percebi por que seus seios estavam tão fartos no final de semana. Era o sinal de algo que eu preferia não ter que enfrentar. A lembrança daquele período agora parecia uma cruel ironia, um marco de uma decisão que nunca imaginei ter que lidar.

No entanto, uma sombra de dúvida me consumia. Será que aquele filho realmente era meu? A única vez em que tivemos relações sem preservativo foi durante aquele período na praia. Depois disso, voltei para Londres, e ela passou a me ignorar.

Fui retirado dos meus pensamentos quando meu celular começou a tocar novamente. Era Carla, mas eu não tinha paciência nem vontade de lidar com isso naquele momento. Ignorei a ligação, reuni minhas coisas e saí da escola. Coloquei meus pertences no banco de trás do carro, tentando ignorar as risadas abafadas dos alunos que haviam contribuído para essa injustiça.

Senti uma onda de compaixão por Juven. Talvez, ao se afastar de uma escola tão contaminada pela crueldade e pelas intrigas, ela estivesse encontrando uma oportunidade de escapar de um ambiente tóxico. De alguma forma, parecia que a decisão em retirá-la era a melhor coisa que poderiam ter feito.

Dei uma última olhada naquele lugar, aquele que abandonei tudo para ensinar e agora me havia expulsado. Suspirei e entrei no carro, arrancando com toda a velocidade que consegui. Se houvesse um deus justo, ele faria justiça. Eu acreditava que ele não me deixaria nessa situação, que haveria algo melhor reservado para mim.

Ou talvez, no fundo, eu estivesse apenas me agarrando a uma ilusão de justiça e à esperança desesperada de algo melhor.

Mas... Que seja, talvez, Deus nem olhe mais para mim.

JUVENOnde histórias criam vida. Descubra agora