É como se eu tombasse dentro de um mar de águas escuras, onde a superfície é um véu distante e inatingível. As águas, frias como o vazio entre as estrelas, me englobam num amplexo consistente e implacável. Mas, ao contrário do que seria esperado, o terror do afogamento não se manifesta. Meu peito se expande e contrai com a facilidade de um sonho, e o oxigênio flui para os meus pulmões, desafiando a lógica daquele ambiente submerso.
Dentro desse compressor sublime, o tempo se desfaz em fragmentos disformes, os segundos se distendendo como fios de teia, até que sua origem e destino são abocanhados pelo esquecimento. A cada sacolejar da correnteza invisível que me agita, sinto a realidade do lado de fora se perder, como se minha própria existência estivesse sendo centrifugada, lançada de um lado a outro sem destino certo. Minutos — talvez horas — escorrem pelos meus dedos como areia molhada, impossíveis de conter ou contar. Meu senso de continuidade é destroçado, e a linha do tempo que costumava guiar minha percepção agora se enrola e emaranha que nem o fio de um novelo perdido.
Eu poderia muito bem estar tendo um daqueles meus sonhos estranhos — ou talvez um pesadelo — em que a gravidade e a substância do mundo parecem evaporar — quando sou nada além de uma consciência flutuante, sem corpo físico, deslizando por cenários irreais que tomam forma e se disseminam conforme eu me locomovo.
Nesse torvelinho caótico, a noção de cima e baixo se torna irrelevante enquanto sou arrastado por forças que não compreendo e não posso resistir. As voltas me esfacelam pouco a pouco, até me restar apenas a ciência frágil de que estou preso em um ciclo perpétuo, onde a espera e o movimento são uma só entidade — uma dança sem coreografia que nunca termina.
É uma batalha constante manter os olhos abertos; parece que o peso das pálpebras é feito de chumbo. Cada piscada é uma vitória temporária sobre o cansaço que ameaça me engolir, e o esforço repetido chega a ser doloroso. O vazio ao meu redor parece infinito, uma escuridão incontornável que me blinda em todas as direções.
Aos poucos, à medida que forço minha visão a focar, pequenas manchas de cor começam a emergir do véu negro, tímidas e trêmulas, como vaga-lumes dançando ao longe. Elas piscam e se desvanecem, tão débeis que temo que o simples ato de observá-las as destrua.
Essas luzes, por mais fracas que sejam, são minha única referência nesse abismo. Mas, mesmo enquanto as fixo, uma dúvida corrosiva se insinua em minha mente: será que estou realmente em movimento?
Sinto o corpo ser empurrado, arrastado por uma correnteza inaparente, mas a escuridão circundante é tão absoluta que não consigo discernir se estou avançando para algum lugar ou apenas sendo jogado em círculos dentro de uma prisão de sombras.
Há duas alternativas.
O deslocamento que percebo pode ser real, ou talvez não passe de uma ilusão gerada por minha mente, tentando dar sentido a essa procela.
Os instantes se esticam como um elástico prestes a romper, e a incerteza se consolida como minha única companhia. Sinto que estou suspenso entre dois mundos... ou três — os dois que conheço, e este, onde tudo é vago, flutuando na escuridão, onde até a minha própria existência é questionável.
Mas, então, as cores começam a se transformar.
O que antes eram meras manchas indistintas, sem forma ou significado, agora se delineia, ganha contornos e definição. As tonalidades flutuantes se organizam, revelando objetos, pessoas, vozes que ecoam como sussurros de um tempo distante. Cada nova forma traz consigo um dilúvio de memórias e sobrepõe-se uma à outra com uma potência subjugadora.
É informação demais, uma torrente turbulenta que ameaça me afogar. Tento absorver o que posso, mas só consigo me agarrar a fragmentos que boiam na superfície.
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Neblina
FantasyEm um canto distante no universo, oculto no plano imaterial, um mundo marcado por um vasto continente dividido em quatro bosques é governado pelo filho do Criador. Seus habitantes, dotados de dons elementais, vivem em paralelo com o Mundo Sombrio. N...