28. À LUZ

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Ao abrir a porta, sou imediatamente envolvido pelo ar fresco da manhã, que é composto pelo petricor da terra úmida e o aroma adocicado de flores que acabaram de desabrochar. A luz branda do início do dia pinta o alpendre, mas o visitante está virado quase de costas para o sol, sua silhueta pequena e pálida envolta em uma aura dourada. Levo um momento para processar a imagem, e quando meus olhos enfim se ajustam à luminosidade natural, meu coração quase para. Ali, diante de mim, está o último rosto que eu esperava ver. A garota do cemitério.

Seus cabelos ruivos, iluminados pelo brilho nascente, formam um halo flamejante ao redor de sua cabeça, como se fossem feitos de pura luz. Os olhos cinza, agora sombreados pela posição do sol, ainda brilham com uma intensidade própria, fixos em mim com uma atenção que faz minha pele formigar com uma descarga sutil de ansiedade. A luz emoldura seu corpo e acentua ainda mais o contraste entre o brilho ardente de seus cabelos e a palidez de sua pele.

Ela parece deslocada, como uma visão de outra realidade, sobressaindo-se contra a claridade da manhã. Está vestindo uma camisa branca e uma jaqueta jeans com as mangas dobradas desajeitadamente até os antebraços, as mãos repousando nos bolsos traseiros da calça num gesto descontraído.

Antes que eu consiga formular uma pergunta, seus lábios cheios se curvam em um sorriso. É um sorriso que, mesmo à sombra do sol, carrega uma profundidade que faz meu peito se contrair com uma sensação inesperada. A luz atrás dela cria uma penumbra em seu rosto, mas os reflexos em seus cabelos ruivos destacam cada mecha como se fossem fios de fogo, conferindo-lhe uma aura que parece transcender o natural.

— Oi, Isaac — ela diz voltando-se para mim, e sua voz é tão suave e melodiosa quanto eu me recordava. — Já vi que você ainda não está pronto.

Meus pensamentos tropeçam uns nos outros enquanto tento encontrar palavras — o que ela está fazendo aqui? Como sabe o meu nome? —, e no fim tudo o que consigo balbuciar é:

— Pronto?

Ela rola os olhos, uma expressão de impaciência passando por seu rosto.

— Bem, eu não devia mesmo me surpreender que você não esteja pronto tão cedo — continua ela, sem notar minha confusão —, mas achei que... Ah, tudo bem. Não importa. — Ela tira um pedaço de papel dobrado de um dos bolsos e o levanta entre dois dedos. — Aqui está.

Ela me oferece o papel. Eu o pego depois de alguns segundos de protelação.

— Ainda não entendo nada disso — ela ri. — Promete que vai me explicar depois?

Quando eu não respondo, ela faz um pequeno aceno com a cabeça.

— Certo. Acho que seu corpo acordou antes do cérebro. Eu já vou indo.

— Espere!

Ergo a mão, meus dedos afagando seu pulso.

Meus lábios se contraem quando o breve toque me provoca um beliscão na pele, parecido com um choque elétrico leve.

Ela baixa a cabeça para olhar nossas mãos próximas, e uma mecha de cabelo, até então presa atrás de sua orelha, se desprende e cai com suavidade sobre o rosto, sombreando seus olhos por um breve momento.

A percepção desse simples movimento, em conjunto com a forma como a luz toca seus cabelos, e a delicadeza com que a mecha descansa sobre sua pele... tudo parece tão intimamente familiar, de um jeito que não faz sentido.

— Como você se chama? — pergunto.

Seus olhos se voltam para o meu rosto. Há uma breve hesitação, uma sombra de confusão em suas feições, e as sobrancelhas ruivas se unem para exprimir o desentendimento.

NeblinaOnde histórias criam vida. Descubra agora