Capítulo 4

0 0 0
                                    

Arrastei-me para a cozinha, meus olhos pesados de sono e segredos recém-descobertos. Minha mãe já estava sentada à mesa, uma xícara fumegante entre as mãos. Agatha, com o cabelo todo bagunçado e usando uma camiseta grande demais que reconheci como sendo minha, estava encostada no balcão da pia, mexendo no celular.

"E aí, zumbi?", Agatha brincou assim que me viu, um sorriso cansado em seus lábios.

"Fala, Medusa", retruquei, apontando para seu cabelo desarrumado. Ela revirou os olhos, mas seu sorriso se alargou um pouco.

"Bom dia, filho", minha mãe disse suavemente. "Quer café?"

Assenti, grato. Agatha se adiantou, pegando uma xícara do armário. "Deixa que eu faço, tia Helena. A senhora já fez demais."

Enquanto Agatha preparava meu café, sentei-me à mesa, observando minha mãe. Seus olhos pareciam distantes, perdidos em pensamentos que eu só podia imaginar.

"Como foi a noite?", perguntei, tentando soar casual.

Minha mãe suspirou. "Ah, você sabe... Não muito diferente das outras."

Agatha colocou a xícara na minha frente e se sentou conosco. "Eu tive uns sonhos malucos", ela disse, tentando aliviar o clima. "Tipo, eu estava numa festa na escola, só que todo mundo era um pinguim. Bizarro, né?"

Ri baixinho, grato pela tentativa dela de trazer um pouco de normalidade. "Pinguins, é? Acho que você andou assistindo muitos documentários da National Geographic."

"Ei, não julga!", ela protestou, me dando um soquinho de leve no braço. "E você? Sonhou com o quê?"

Hesitei, o peso das revelações da noite anterior pesando em meu peito. Como explicar que meus "sonhos" eram muito mais reais e assustadores do que pinguins em uma festa escolar?

"Ah, nada demais", menti, evitando o olhar dela. "Não lembro direito."

Agatha me encarou por um momento, como se soubesse que eu estava escondendo algo. Mas antes que ela pudesse insistir, minha mãe falou:

"Seu pai tinha muitos pesadelos, sabia?", ela disse, sua voz distante. "Às vezes, ele acordava gritando nomes que eu nunca tinha ouvido."

Senti meu coração acelerar. "Que tipo de nomes?", perguntei, tentando não parecer muito interessado.

Minha mãe deu de ombros. "Não lembro ao certo. Mas ele sempre dizia que eram só sonhos ruins."

"Ei", Agatha disse de repente, seu rosto se iluminando com uma ideia. "Que tal você vir almoçar lá em casa hoje? A Lucinha tá fazendo aquela lasanha que você ama. A gente podia assistir uns filmes, sei lá... Tentar esquecer um pouco, sabe?"

Olhei para minha mãe, hesitante. Ela forçou um pequeno sorriso. "Acho uma ótima ideia, filho. Vai te fazer bem sair um pouco. Eu tenho algumas coisas para resolver no hospital, de qualquer forma."

"Tem certeza?", perguntei, a culpa apertando meu peito.

Minha mãe se levantou, vindo até mim e beijando o topo da minha cabeça. "Tenho. Vá se distrair um pouco. Deus sabe que todos nós precisamos."

Assenti, grato pela permissão, mas sentindo o peso da responsabilidade se assentar ainda mais pesadamente sobre meus ombros. Enquanto Agatha falava animadamente sobre os filmes que poderíamos assistir, não pude deixar de pensar no que me aguardava.

Carlos Mancini. O espírito vingativo. As respostas que eu tanto buscava.

E a pergunta que me atormentava: até onde eu estava disposto a ir para descobrir a verdade sobre meu pai?

Pecados & InjúriasOnde histórias criam vida. Descubra agora