Capítulo I, Parte I: Piloto

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Dois anos antes...

— Meus sacos reutilizáveis de algodão, meu kit de yoga, meu ukulele... –

— Cara, a ideia de arrumar uma mala 'pra uma viagem temporária é levar somente o necessário.

— O meu ukulele é extra necessário, sua insensível. E não é uma viagem temporária como tal.

Kiara e Sarah partilhavam uma vídeo-chamada ao pé do fim daquele verão. A primeira, de pele clara e dos cabelos escuros e cacheados, zanzava por todo o seu quarto com os itens que mencionava quase escorregando para fora dos braços dada a desatenção no seu aperto. A segunda, caucasiana e loira, estava sentada, de pernas cruzadas para a câmera, sempre aparecendo para quando Kiara lhe quisesse ver. Era comum, dada a amizade de longa data que tinham.

Kiara, como quem mais tarde viajaria, estava investida nas suas últimas arrumações, e Sarah obviamente se recusou a não presenciar ao momento – mesmo que esta não fosse física. Austrália, mais especificamente a cidade de Sidney, seria seu destino final em apenas alguns dias, dada a bolsa de estudo para o curso que lá faria. Não tarda seria época de faculdade, e com seus dezoito anos e após incontáveis birras de sua mãe, sentiu que estava pronta para aproveitar o seu ano de caloira em novos ares. Uma transição marcante, pode-se dizer. Assim, sua melhor amiga passava muita parte de seu tempo – até quando Kiara lhe exigia o contrário – grudada a ela como podia, como fazia no momento. Estava feliz por ela inegavelmente, mas a tristeza antecipada de não lhe ter por perto já lhe assombrava.

Portanto, a loira de segundo nome estava em sua lancha, debaixo do ar-condicionado do qual se recusava a sair para caminhar pelo sol. Era fim de verão, sim, mas ainda era verão. O que significava que o sol que passeava pela ilha de Outer Banks, conhecida precisamente pelos seus bons e intensos verões, ainda causaria nela uma potencial insolação. Ela faria o sacrifício, mas Kiara repassou as vezes em que ela se torturou só para estar perto e isso foi suficiente para lhe dar uma folga por um dia.

Assim, enquanto Carrera remexia as tralhas, umas mais importantes que outras, Cameron sugava a limonada pelo canudo de papelão que por ali andava algures, mas também interessada pelo que a melhor amiga fazia. Muitas dessas acabariam por sequer passar perto da mala, dado o empenho da tão falada mãe, Anna Carrera, em seguir regras – e de fazê-las, claro. Ela acabaria por passar por uma vistoria doméstica que tiraria muitas das coisas as quais Sarah também reclamava, mas precisava tentar. Mesmo que tivesse sido uma decisão sua, perseguida com veemência, não se podia isentar de sofrer consequências – uma delas a de sentir saudades de passatempos que na ilha tinha.

— Você vai voltar – Sarah rectificou. – É o conceito de temporário.

— Sim, mas... –

— Estou começando a achar que a sua ideia é nos largar de vez – resmungou depois de uma longa sugada no canudo. – Pensei que a maconha daqui fosse inigualável.

— Você é ridícula – não se importou em insultar-lhe brincalhona tipicamente. – E se eu fosse 'pra América Latina, a desculpa da maconha não ia colar, mas... –

O silêncio fez com que Sarah apertasse os olhos e a testa subsequentemente – aquela conjunção tinha chamado sua atenção.

— É claro que vou voltar – a outra se precipitou em erguer os pulsos. – Só que, você sabe... São três anos de curso. Às vezes pode ser difícil voltar e passar férias, não sabe?

Era uma sorte que fossem três, realmente, mas ela ainda descartava seus eventuais planos. Relações Internacionais não era o curso dos sonhos, mas acabou por se tornar imprescindível para ela quando mais cultivou desse interesse pela política desde uma das festas de pijama que teve com Sarah. Não ousava pensar que, depois disso, poderia encontrar um emprego local, ou se aventurar por um mestrado. Pensar a longo prazo já lhe tinha contraído consequências suficientes.

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⏰ Última atualização: Oct 03 ⏰

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