A carta

9 2 8
                                    

Hawkins, Indiana
25 de Outubro, 14:36.

O vento soprava suave naquela tarde, balançando levemente as folhas das árvores que cercavam o cemitério de Hawkins. O céu estava acinzentado, refletindo perfeitamente como eu me sentia por dentro. Mesmo estando ali, cercada por pessoas, me sentia sozinha. O som abafado dos murmúrios e soluços dos outros que estavam alí parecia distante, como se estivesse em um sonho, ou melhor, em um pesadelo do qual eu não conseguia acordar.

O enterro do meu avô era o motivo de toda aquela cerimônia triste. Ele havia sido o único ponto de estabilidade em minha vida por tanto tempo, e agora, ele também se foi. Em sua última semana de vida, conversamos todos os dias, e ele sabia que a despedida estava próxima. Nada te prepara para a morte. Nada te ensina a conviver com o vazio que alguém deixa quando se vai. O silêncio era opressor.

Observei enquanto o caixão era baixado na terra, cada centímetro mais perto do fim definitivo de uma parte da minha vida. A dor no peito aumentava conforme o caixão desaparecia, e tudo o que eu conseguia pensar era em como eu gostaria de tê-lo por mais um dia, mais uma conversa, mais um conselho sábio que sempre vinha na hora certa. Mas, agora, não tinham mais conselhos, nem abraços. Só o vazio.

Max estava ao meu lado, silenciosa. Ela me dava apoio, mas sem dizer muito, sabendo que palavras não fariam diferença agora. Nós não éramos tão próximas antes da minha mudança para Hawkins, mas ela sabia o quanto o nosso avô significava para mim. Desde que cheguei, Max havia sido minha âncora, tentando me ajudar a me ajustar à nova cidade e ao novo estilo de vida. Só que agora, eu me sentia ainda mais distante de tudo, perdida em um lugar que nunca realmente chamei de lar.

Depois da cerimônia, seguimos de volta para casa. Os convidados deram seus pêsames, e um a um foram embora. A casa ficou em silêncio. Meus pais estavam visivelmente abatidos, mas tentavam manter a compostura por mim e por meus irmãos. Não sabiam o que dizer, e eu também não queria ouvir nada. Fui para o nosso sótão sem trocar mais do que algumas palavras. Lá me vi livre para chorar mais ainda sem saber oque fazer, ainda devastada.

Após alguns minutos desci para o meu quarto, passando direto pelo meu irmão.
Assim que fechei a porta, deixei meu corpo cair na cama e fechei os olhos. Queria fugir de tudo. A dor parecia me consumir, e o peso da perda era sufocante. Foi quando ouvi uma batida leve na porta.

— Clover? - a voz da minha mãe soou do outro lado. - Posso entrar?

Murmurei um "sim" enquanto me sentava na cama, limpando rapidamente o rosto. Não queria que ela me visse chorando.

Ela entrou devagar, carregando um pequeno envelope nas mãos.

— Seu avô deixou isso para você, antes de partir. - Ela me entregou o envelope com um sorriso triste. — Ele queria que você lesse quando se sentisse pronta.

Fiquei olhando para o envelope nas minhas mãos, incapaz de movê-lo por alguns segundos. Sentia como se aquilo fosse a última conexão que eu ainda tinha com ele, e abri-lo significaria aceitar de vez que ele realmente se foi. Respirei fundo e deslizei o dedo pela aba do envelope, abrindo-o com cuidado. Dentro havia uma carta, escrita à mão, com a caligrafia que eu conhecia tão bem.

"Querida Clover,

Se você está lendo isto, então eu já não estou mais ao seu lado fisicamente, mas saiba que meu amor por você é eterno, e sempre estarei com você em espírito. Sei que essa é uma fase difícil, mas você é mais forte do que imagina. Você sempre foi. Não lhe contei que o meu fim se aproximava pois sabia que apesar de forte, você ainda é a minha garotinha.

Antes de partir, quero te pedir algo. Não quero que você se feche em tristeza ou se isole. Sei que Hawkins é uma cidade nova para você, e sei o quanto essa mudança foi difícil. Mas agora é sua chance de começar uma nova jornada, de explorar o desconhecido. Faça isso por mim, Clover. Saia e descubra tudo o que essa cidade tem a oferecer. Conheça pessoas novas, vá a lugares diferentes, viva as aventuras que a vida ainda tem reservadas para você.

O mundo está cheio de mistérios e coisas incríveis esperando para serem descobertas. E eu sei que você, com sua curiosidade e seu espírito aventureiro, é a pessoa certa para desvendá-los. Aproveite a vida, querida. Faça isso por você, e um pouco por mim também.

Com todo o meu amor,
Seu avô."

As lágrimas escorriam pelo meu rosto antes que eu pudesse tentar segurá-las. A leitura daquela carta trouxe uma mistura de emoções: saudade, dor, mas também uma leve sensação de conforto. Ele queria que eu vivesse. Queria que eu seguisse em frente, e não ficasse presa à dor.

Limpando as lágrimas, dobrei a carta com cuidado e a guardei. Talvez ele estivesse certo. Eu estava vivendo em Hawkins como se estivesse apenas esperando algo mudar, sem me esforçar para realmente conhecer o lugar. Talvez fosse hora de seguir o conselho do meu avô e explorar mais, me permitir ver o que a vida e essa cidade estranha poderiam oferecer.

A Sombria Hawkins Onde histórias criam vida. Descubra agora