2. Snake Room

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A dor e o medo da maldição haviam voltado com força total.

Eu não podia ficar ali, presa dentro de casa, com aquelas lembranças rodando na minha cabeça. O rosto de Roy não saía da minha mente. Não era algo que eu podia enfrentar sozinha naquele momento, não sem perder o controle. Eu precisava me afastar, fazer algo que me permitisse focar em qualquer coisa que não fosse aquela maldita maldição.

Respirei fundo, me recompus o suficiente para parecer normal, coloquei o casaco e saí pela porta.

Decidi ir até a Oficina Terra Nova, um espaço onde eu costumava moldar barro com as mãos. Havia algo de terapêutico em sentir a argila fria entre os dedos, dando forma a algo totalmente novo. Além disso, eu gostava de estar entre os velhinhos que frequentavam o lugar. Eles eram tranquilos e cheios de histórias de vida.

A oficina sempre me acolhia com uma calma que eu não encontrava em nenhum outro lugar. As pessoas ao redor, com seus cabelos grisalhos e sorrisos gentis, trabalhavam devagar, sem pressa. Pareciam estar em paz com o tempo. Eu, por outro lado, estava sempre correndo contra ele.

Assim que coloquei as mãos no barro, Marie, uma senhora de cabelos brancos como algodão, inclinou-se na minha direção com aquele olhar malicioso.

— Hoje você tá com cara de quem tá fugindo de alguma coisa — Ela disse, me observando com olhos curiosos.

— Fugindo? Eu... só precisava de um tempo pra pensar — respondi, tentando parecer casual enquanto começava a moldar uma figura indefinida.

— Ah, esses jovens sempre com "coisas pra pensar" — interrompeu Pierre, o mais falador do grupo, com uma risada. — Eu, quando tinha sua idade, pensava só em como pagar as contas e se ia ter comida na mesa. Tudo mais simples, né, Marie?

— Não que você conseguisse pensar em muita coisa, Pierre — retrucou Marie, piscando pra mim. — O coitado sempre foi meio devagar.

Dei uma gargalhada, lembrando que eles mal sabiam a idade que eu tinha. Achava engraçado como os mais velhos sempre gostavam de pegar no pé dos jovens, desde muitos séculos atrás até a atualidade. Mas naquele momento, me senti mais leve por um instante. Estar ali com eles era como entrar numa bolha onde o tempo passava devagar.

— E então, o que é dessa vez? — perguntou Marie, apontando para o pedaço de barro que eu estava moldando. — Não vai ser outra jarra, né?

— A última tava linda, vocês que não entendem de arte — retruquei, rindo, enquanto olhava pra massa disforme que já começava a tomar forma.

Mas conforme eu trabalhava, percebi que, sem querer, estava moldando algo muito familiar.

Meus dedos seguiam um padrão quase que automaticamente. As linhas do rosto que eu esculpia no barro estavam ficando cada vez mais nítidas, e quando me dei conta, o nariz, o contorno da mandíbula e até os olhos... eram dele. Roy.

Soltei um suspiro profundo, meus ombros caindo com desânimo. Tentei disfarçar e desfazer a escultura com um movimento rápido, mas dona Marie, com a atenção de uma águia, não deixou passar.

— Ahá! Sabia que tinha alguém nesse seu pensamento, mocinha! — ela exclamou, cruzando os braços com um sorriso satisfeito. — Vai, confessa, quem é o sortudo?

— Que sorte nada, Marie — brinquei, tentando manter a leveza na voz enquanto amassava o barro entre as mãos. — Só tô praticando, nada de especial.

— Praticando? — Pierre interrompeu, erguendo as sobrancelhas. — Você tá é apaixonada! Desde quando?

Milênios.

The Lovers - Roy AquinoOnde histórias criam vida. Descubra agora