Prólogo: O Conto da Raposa

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ATO I

Há muito tempo, quando o véu entre o mundo dos mortais e o mundo espiritual era tão fino quanto uma teia de aranha, as noites de lua cheia se tornavam mágicas. Nessas noites, os dois mundos se aproximavam, separados apenas por uma penumbra frágil. Os antigos acreditavam que essa era a época em que os deuses podiam ser ouvidos e que as criaturas místicas dançavam nas sombras.

Nas noites iluminadas pela lua cheia, os homens se reuniam ao redor de fogueiras, entoando cânticos e realizando rituais, na esperança de tocar o invisível e ouvir as vozes dos deuses. Mas o que eles não sabiam era que, muitas vezes, essas vozes vinham de espíritos perdidos, inferiores ou maldosos, em busca de algo que nem mesmo eles podiam nomear.

Para proteger a harmonia entre os mundos, havia Inari, a grande deusa raposa. Reverenciada por muitos, ela era conhecida por trazer fertilidade e prosperidade à terra, protegendo o equilíbrio sagrado entre o mortal e o espiritual. Seus santuários se destacavam com portões vermelhos e estátuas de raposas, criaturas conhecidas como kitsunes, as mensageiras e guardiãs da deusa.

Numa dessas noites de lua cheia, Inari, a majestosa raposa de nove caudas, surgiu numa clareira banhada pela luz prateada. Seu pelo branco brilhava como neve, e seus olhos refletiam uma sabedoria ancestral. Ao seu redor, suas filhas, as kitsunes, aguardavam ansiosas, suas caudas ondulando em expectativa.

— Minhas queridas filhas — disse Inari, sem abrir a boca, mas ressoando as palavras na mente das raposas. — Esta noite, mais uma vez, devemos guiar as almas perdidas de volta aos seus lares espirituais. As barreiras estão frágeis, e devemos garantir que nenhum espírito se desvie para o mundo dos mortais.

As kitsunes inclinaram suas cabeças em sinal de respeito e, com um gesto gracioso de sua deusa, partiram em direção aos limites entre os mundos.

Entre elas estava Eloise, uma kitsune de olhos dourados, conhecida por sua habilidade em se transformar e adaptar-se às necessidades dos espíritos que encontrava. Correndo pelos campos, Eloise sentia a energia da terra pulsando sob suas patas, sabendo que cada espírito necessitava de um toque único para encontrar seu caminho de volta.

Eloise assumia diferentes formas, dependendo do espírito que encontrava. Para uma alma infantil e confusa, tornava-se uma figura maternal; para um guerreiro de tempos passados, vestia-se como um antigo general; e para um espírito travesso, surgia como uma figura espirituosa e brincalhona. Cada transformação era feita com cuidado, guiando cada espírito de volta ao seu descanso merecido.

Em um campo próximo, Eloise avistou um guerreiro que acabara de voltar de uma patrulha, parecia estar perigosamente perto de atravessar os limites entre o mundo mortal e o espiritual. Mas ele era humano, não espírito. Não deveria estar ali. Então a kitsune percebendo o perigo, imediatamente decidiu intervir.

O semblante do homem estava marcado pela confusão, e seus olhos, de um castanho profundo, pareciam buscar respostas para algo. Ele tinha cabelo negro desgrenhado, pele bronzeada pelo sol e cicatrizes que narravam histórias de batalhas passadas. Vestia uma armadura desgastada, e sua postura, apesar de fatigada, ainda carregava a imponência de um guerreiro experiente.

Eloise assumiu a sua forma humana, transformando-se em uma jovem de aparência serena e acolhedora. Seu cabelo ruivo caía suavemente sobre os ombros, e seus olhos, brilhando em dourado, encontraram os do guerreiro com uma expressão de preocupação.

— Olá, meu bom guerreiro — disse Eloise com uma voz suave e melodiosa. — Você parece confuso. Está tudo bem?

O homem parou e olhou para ela, claramente surpreso com sua presença.

The Lovers - Roy AquinoOnde histórias criam vida. Descubra agora