"Você podia simplesmente ter me beijado ali. Se as pessoas nos incendiassem, de qualquer forma, já estávamos ardendo no fogo do inferno, como dois pecadores. E eu me apaixonei por você em todas as vezes que me fez arder.
Até quando você ardeu dentro de mim."
1978
Sábado
Inauguração do coreto– Então... – debruçada no coreto, diz Giovana. – O que você acha pior: Vitor Bellini estar fedendo a bebida ou a primeira dama tentando esconder o bigode com pó de arroz? – ela cutuca João Vitor, com um copo colorido na mão.
O copo colorido foi intencionalmente escolhido por ela, para que ela encha a cara e os seus pais pensem que está bebendo água ou vinho sem álcool.
– Cruzes. – responde Santo, risonho, com as costas debruçadas na parede do coreto. Ele empurra o ombro de Giovana e segura a gargalhada. – É uma competição acirrada... mas acho que Bellini ganha. – umedece os lábios. – Ele já tá na... quarta rodada, não é?
Giovana ri bêbada, tomando mais um gole de álcool. Ela faz uma careta e continua observando a cidade.
A festa atende a qualidade de uma cidade pequena normal. Poucas pessoas, decoração retrô. Pisca-pisca ali, caminhos de flores, coisas bregas mas bonitas, assim como uma comédia romântica heterossexual.
Crianças correndo para lá e para cá, jovens bebendo, idosos sentados nos bancos falando mal até de si mesmos, se deixar. Tem um senhor de idade que está roncando quase tão alto quanto as músicas na caixa de som, no seu sono mais profundo.
Não distante dos membros da igreja (João Vitor e Giovana), está acontecendo uma competição muito ou nada infantil de guerra de braço.
As regras são simples: quem for mais fraco, toma dois shots de tequila pura.
Homens e homens, um em seguida do outro, Vitor Bellini surpreendentemente estava vencendo vários caras, e ele nem era tão forte assim.
Alguns até desistiram.
Ego fraco demais.Mas só há uma pessoa nesse lugar, talvez, na cidade inteira, com o ego roubado de todos os outros homens.
Pedro Tófani se juntou à Vitor Bellini.
E se já existia a guerra dos cem anos, está criada a guerra dos mil anos.
Eles já estavam há minutos nessa, um mais competitivo que o outro, com os dedos vermelhos e doloridos de tanto machucar no impacto da madeira na mesa.
Estavam tão bêbados que é um milagre terem consciência para lembrar do próprio nome completo.
[...]
Bellini desistiu, mas o Tófani nem tinha consciência para comemorar.
Vitor Bellini, quando bebe, transpira. É como se tivesse mergulhado a cabeça dentro de um aquário.
Ele simplesmente deitou a cabeça na mesa, fechou os olhos e dormiu. Suado, com dor nos punhos e muito, muito bêbado.
– Sério, tá precisando acontecer umas merdas na cidade. – Giovana diz, bebericando o seu terceiro copo. – Pra uma guerra de braço e um coreto ser a coisa mais foda que tem aqui...
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Meus Pecados - Pejão
RomanceAmérico Brasiliense, 1978. Em uma pequena cidade religiosa e conservadora, o prefeito arranja um casamento para o seu filho, Pedro Tófani. Durante a cerimônia, ele se apaixona, mas não pela noiva.