Um Pouco de Tinta

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"[...] o importante era que você estava ao meu lado, mesmo que implicando comigo."

Instituto Sagrado da Nossa Senhora da Providência
Quarto ano do ensino fundamental
1966

Pov João Vitor

O que você faz as nove da manhã em uma quarta-feira?

Eu mato dragões usando uma espada de ouro e um escudo blindado que o rei da França me deu de presente!

Brincadeira...

Eu estou no lugar mais chato de todos os planetas: a escola.

Aula de matemática, a pior de todas. Parece que não vai acabar nunca... a professora fala sem parar.

Acho que ela pensa que eu sou o melhor da minha turma. Se ela olhar para mim, vai ver um óculos retráido, uma franja loira juvenil e um uniforme bem passado.

Mas eu nem sei do que ela está falando. Estou pensando no frango assado que comi na última noite.

Se você olhar para a minha mesa, você vai encontrar uma caixa aberta de giz de cera e folhas amassadas. É o que várias tentativas de desenhar um dragão assoprando fogo, uma atrás da outra, fazem com você.
E eu falhei em todas elas!

Bagunço a minha mesa, na tentativa de cavar um cova de criatividade na minha mente.

Invento de desenhar um dragão muito bonito. E cheio de cores!
Um dragão azul furtivo, com espinhos amarelos e que assopra fogo verde limão.

Ele até se parece comigo!

Nessa sala de aula, só se pode ouvir o burburinho do pátio, canetas em arranjos e suspiros de crianças entediadas. E de uma professora, que já passou da sua idade.

O clima está agradável.

Meu dia não poderia ficar mais sem graça.

Firmo os olhos nos meus desenhos por um tempo. Tempo o suficiente para que eu me distraia do meu redor.

Cansado de ser uma criança fazendo coisas de criança, espalho os gizes na mesa e respiro pesado, pensando em todos os gibis legais que poderia estar lendo agora.

Segurei a minha cabeça com as mãos, encarando o dragão que tinha acabado de colorir.

Quando levanto os olhos, a figura que está parada na porta da sala de aula me faz sorrir. E me surpreende.

Lá está o Pepê, o meu melhor amigo.
Em carne, osso e alma.

Marca presença com o seu sorriso endiabrado, olhos luminescentes e cabelos castanhos.

Ele sorri.
Mas não era um sorriso daqueles que querem dizer "vamos brincar de carrinho!"
Era daqueles "vamos aprontar a pior de todas e apanhar quando chegar em casa".

Nem um pouco discreto, mas silencioso, ele gesticula com as mãos. Parece estar me chamando.

Eu devo aceitar?

Olho para os lados, e a professora Carmem continua falando e não para, como uma matraca. Ela escreve no quadro sobre coisas que eu ainda não entendo.

Meus Pecados - PejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora