Capítulo 09 - A Última Esperança

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A chuva do dia anterior havia se dissipado, deixando o sol implacável iluminar a cidade. O calor era sufocante, mas de certa forma, reconfortante. Enquanto me preparava para o trabalho, liguei a TV, como sempre fazia. A imagem de Nascimento preencheu a tela. Ele falava sobre o caso do garoto ferido, e meu coração acelerou. Eu sabia que o menino receberia alta hoje, o que me trouxe uma onda de alívio. Não havia sequelas, pelo menos fisicamente. Mas a marca psicológica de ter sido baleado era um fardo que ele carregaria por muito tempo. Era como se a violência estivesse impregnada nas ruas, nos becos, e, inevitavelmente, dentro de cada um de nós.

Enquanto tomava meu café, meus pensamentos voltavam a Nascimento. O homem que tinha me salvado no ônibus, mas que também representava tudo o que eu desprezava no sistema. Eu não sabia como me sentir em relação a ele. Talvez houvesse algo mais ali, uma conexão que eu não queria admitir. A dualidade entre o herói que me resgatou e o homem que entra em favelas puxando gatilho me atormentava diariamente.

Saí de casa com uma sensação estranha no peito. Algo estava diferente, como se uma nuvem pairasse sobre o dia. O caminho para o hospital foi o mesmo de sempre, ruas abarrotadas de carros, buzinas e caos. Mas algo no ar parecia pesar mais. Talvez fosse apenas o calor de quase trinta e quatro graus.

Quando cheguei ao hospital, a rotina me abraçou com força. Pacientes lotavam a sala de espera, alguns em situações críticas, outros apenas cansados de esperar. As enfermeiras corriam de um lado para o outro, tentando dar conta da enxurrada de demandas. Não havia tempo para distrações. Entrei no ritmo frenético de sempre tentando afogar meus pensamentos no trabalho. Porém, não durou muito.

— Doutora, rápido! — A voz desesperada da enfermeira ecoou pelo corredor, trazendo uma onda de adrenalina.

Corro em direção à emergência e me deparo com uma cena quase que grotesca. Um garoto, não mais que dezessete ou dezoito anos, esta jogado na maca, as tripas escorrendo para fora de seu abdômen, sangue cobrindo o chão. O cheiro metálico do sangue misturado ao suor impregnava o ar. Já tinha visto de tudo neste ambiente hospitalar mas aquela visão fez meu estômago revirar. Ele estava à beira da inconsciência.

— Vamos, gente, rápido — grito, sentindo a tensão crescer dentro de mim. O garoto tinha múltiplas facadas, e seus sinais vitais estavam cada vez mais fracos. Os lábios estavam arroxeados e as unhas perdendo a cor.

Cada segundo contava. A equipe sabia disso, mas o pânico era palpável. Saio por um instante precisando de ar, tentando organizar meus pensamentos. O gosto amargo da bile sobe pela minha garganta. Respiro fundo, mas logo ouço o som de uma mulher gritando.

— Me deixa entrar! Ele é meu filho, por favor, ele vai morrer!

Corro os olhos ao redor e vejo uma senhora de cabelos grisalhos, completamente descontrolada, sendo segurada por um segurança. Corro até eles.

— Solta ela agora. O que está acontecendo aqui?

— Doutora, por favor, salve meu filho! — Ela quase se ajoelha diante de mim, o desespero estampado em seu rosto me atinge em cheio.

A levo para dentro, longe do tumulto. Seus olhos estavam vidrados, a mão tremendo quando lhe entrego um copo d'água.

— Ele entrou para o crime, doutora... — A mulher soluça explicando. — Ele falou mais do que devia para a polícia. E agora... agora eles o pegaram. Abriram ele inteiro com facadas, o jogaram para morrer num matagal, mas alguém o encontrou e trouxe para cá. Por favor, não deixe meu menino morrer.

— Faremos o possível, senhora — respondo, tentando esconder minha própria insegurança. A gravidade da situação pesava sobre mim como uma tonelada.

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