1. Sombras em Expansão

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Aos poucos, o mundo começou a mudar. As notícias, antes preenchidas com política e desastres naturais, passaram a relatar um fenômeno incomum. No início, as manchetes eram sutis: "Estrelas desaparecendo?" e "Céu noturno mais escuro que o normal." Contudo, com o passar dos dias, a frequência das reportagens aumentava. Mais estrelas apagavam, uma a uma, como velas sufocadas por um vento invisível.

Elias tinha se isolado ainda mais no observatório desde que presenciou aquele fenômeno pela primeira vez. O desaparecimento da estrela não lhe saía da cabeça. Inicialmente, ele suspeitava de um problema com seus instrumentos. Fez testes, recalibrou o telescópio, comparou suas observações com as de outros astrônomos. Mas logo percebeu que não estava sozinho. Em fóruns especializados, outros cientistas relatavam o mesmo: estrelas se apagando, sem motivo aparente.

Naquele momento, a maioria dos cientistas ainda buscava explicações convencionais. Talvez algum tipo de anomalia espacial, um fenômeno raro. Alguns falavam em matéria escura, outros em buracos negros de comportamento atípico. Mas nada explicava a rapidez e a amplitude com que as estrelas estavam desaparecendo. Elias, por outro lado, sentia algo diferente. Havia uma desconexão crescente entre o que ele sabia — ou achava que sabia — e o que estava de fato acontecendo. A ciência que ele estudara por décadas não tinha respostas.

Naquela noite, enquanto revisava seus dados mais recentes, ele recebeu uma ligação de Júlio, um colega do Instituto de Astrofísica. A voz do outro lado da linha era tensa, quase paranoica.

— Elias, você está vendo isso? — Júlio perguntou, sem se preocupar com as formalidades. — Está acontecendo com cada vez mais frequência. Não são apenas estrelas. Já notou como o Sol está diferente?

Elias franziu o cenho. Havia algo, de fato, que ele notara. Não estava apenas escuro à noite; durante o dia, o brilho do Sol parecia menor, mais fraco. Como se uma cortina invisível estivesse começando a envolvê-lo. As manhãs nas últimas semanas tinham sido desoladoras, como se o amanhecer estivesse sendo diluído em uma névoa constante.

— Sim, eu percebi — respondeu Elias, relutante em admitir sua inquietação. — Você tem alguma teoria?

Júlio hesitou. Quando finalmente falou, sua voz estava mais baixa, quase como um sussurro.

— Não sei o que pensar. Já falei com outros, e todos têm teorias. Matéria escura, distorções gravitacionais... Mas nada faz sentido. Estou começando a achar que... — Ele fez uma pausa longa. — Acho que isso não tem uma explicação científica.

Elias não respondeu de imediato. A ideia de algo além da ciência lhe parecia ridícula, e, ao mesmo tempo, uma parte de si estava inclinada a concordar. Havia algo mais profundo, mais sinistro do que qualquer modelo teórico podia prever. Antes que pudesse responder, Júlio continuou:

— O Sol vai desaparecer também. Você sabe disso, não sabe?

A ligação terminou abruptamente, deixando Elias atordoado. O silêncio que se seguiu foi quase palpável, o peso de cada palavra de Júlio ressoando em sua mente. "O Sol vai desaparecer também."

Tentando afastar o desconforto, Elias voltou ao telescópio. Ele ajustou o foco, agora olhando para uma área diferente do céu. Mesmo com suas lentes poderosas, o vazio começava a dominar a visão. Menos estrelas, mais espaços negros, vastos e sem fim.

Enquanto ele observava, algo começou a mudar na periferia de sua visão. O escuro que normalmente envolvia as bordas do campo de visão não parecia mais vazio. Havia uma densidade nova, algo mais pesado e sufocante. Ele piscou, afastou-se do telescópio e olhou para o céu a olho nu.

A escuridão estava crescendo.

Não era uma escuridão normal — a ausência de luz que ele conhecia e estudava. Essa era diferente. Era como se o próprio tecido do espaço estivesse sendo devorado, uma negritude mais densa que o vazio comum entre as estrelas. Ele tentou racionalizar. Era uma ilusão ótica? Um truque da luz? Talvez seus olhos estivessem cansados. Mas, à medida que a noite avançava, a escuridão se tornava mais opressiva.

Quando finalmente saiu do observatório para respirar o ar gelado da montanha, ele notou algo ainda mais perturbador: mesmo os fracos contornos das árvores e rochas ao redor pareciam ser consumidos pela escuridão. O horizonte, antes apenas uma linha distante, agora parecia estar se fechando, avançando como uma maré negra.

Ele tentou acender sua lanterna, mas a luz parecia fraca, quase impotente contra o manto denso da noite. Um arrepio percorreu sua espinha.

De volta ao seu escritório, Elias começou a registrar suas observações. A cada anotação, sentia que estava perdendo a noção do tempo. Era como se os dias estivessem se comprimindo. Ele lia relatórios de cientistas em todo o mundo, falando sobre o Sol nascendo mais tarde e se pondo mais cedo. Mas ninguém conseguia explicar o porquê.

A obsessão em encontrar respostas o consumia. Elias começou a ignorar mensagens de amigos e familiares. Não atendia mais ligações, exceto de seus colegas de profissão. Estava cada vez mais imerso nos mistérios da escuridão crescente. As noites eram longas, insones, e, mesmo nos raros momentos de sono, ele sonhava com o vazio, com um abismo infinito que o puxava.

Era mais que apenas escuridão. Era algo além, algo que devorava não apenas a luz, mas também o tempo, a razão, e, aos poucos, o próprio sentido de realidade.

Elias parou por um momento e olhou pela janela. O céu era um vazio completo. Sem estrelas. Apenas a escuridão, densa e opressiva, como uma presença viva.

A luz estava desaparecendo. E, no fundo de sua mente, ele sabia que aquilo era apenas o começo.

A União com o Vazio - ByLiFearOnde histórias criam vida. Descubra agora