4. A Revelação Inominável

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Elias já não sabia mais o que era o tempo. Dias e noites tinham se fundido em uma interminável sequência de escuridão. Seus relógios pararam de fazer sentido; a luz — ou a ausência dela — não oferecia mais um ponto de referência. Tudo ao redor parecia ter sido engolido por um silêncio tão espesso quanto a escuridão que dominava o mundo.

Em sua cabana no topo do observatório, rodeado por instrumentos que agora pareciam tão inúteis quanto o próprio conceito de estrelas, Elias mergulhava em suas notas, revendo suas teorias, procurando em textos antigos e obsoletos algum indício de que houvesse alguma lógica nesse caos. Mas nada. Nem uma explicação, nem uma pista. Apenas um vácuo, uma ausência de respostas que ecoava a falta de luz no universo.

Uma noite — ou o que ele imaginava ser noite — Elias se viu à beira da exaustão. Seus olhos, já cansados, mal conseguiam focar nas páginas dos livros espalhados pelo chão. Seus dedos tremiam, incapazes de segurar uma caneta com firmeza. Mas algo nele continuava insistindo, como uma voz sussurrando em sua mente, implorando para que ele seguisse em frente, para que ele continuasse sua busca.

Foi então que ele notou o livro.

Um volume que ele não lembrava de ter visto antes, descansando no canto mais afastado de sua mesa. Era velho, coberto de poeira, as páginas já amareladas pelo tempo. Não havia título na capa, apenas uma inscrição quase apagada no dorso que ele não conseguia ler. Algo sobre aquele livro parecia errado. Como se estivesse ali o tempo todo, apenas esperando que ele o encontrasse.

Com relutância, Elias o abriu.

As páginas estavam cobertas de símbolos que ele não reconhecia, escritas em uma língua que parecia viva, pulsando a cada vez que ele as lia. Mesmo sem entender as palavras, uma sensação de familiaridade o percorreu. Como se os segredos ali contidos fossem algo que ele já soubesse, mas que havia sido esquecido há muito tempo.

Conforme ele avançava, os símbolos começaram a fazer sentido. As palavras pareciam se reorganizar em sua mente, revelando um terrível conhecimento enterrado nas profundezas da realidade. A escuridão não era apenas a ausência de luz. Era uma entidade. Uma força viva, consciente, que existia antes mesmo do tempo. O universo, na verdade, era composto dessa escuridão primordial. A luz, a vida, tudo o que Elias acreditava ser natural era uma aberração. Um erro.

Ele leu com mais voracidade, sentindo que estava à beira de uma revelação incompreensível. A escuridão — a verdadeira natureza do cosmos — era uma consciência indiferente, uma força que não se importava com a existência de vida ou de estrelas. A luz era apenas uma interrupção temporária, uma ilusão efêmera que estava finalmente sendo corrigida.

Elias sentiu um frio percorrer sua espinha. A compreensão o atingiu com a força de um meteoro. Tudo o que ele havia conhecido, tudo o que a humanidade havia construído, era uma farsa. O universo não tinha sentido, não tinha propósito. A luz era um engano que agora estava sendo desfeito pela própria ordem natural das coisas.

Seus pensamentos correram em espiral. E se a escuridão não estivesse apenas voltando? E se ela estivesse viva, consciente, se expandindo com um propósito que ele nunca poderia entender completamente? E se essa "presença" que ele sentia fosse o despertar de uma entidade cósmica que havia dormido por éons, aguardando pacientemente o momento de retomar o controle do cosmos?

Ele fechou o livro, ofegante, o coração disparado. A revelação era insuportável. Sua mente tentava racionalizar, mas a verdade estava ali, clara e inescapável. O universo era feito de escuridão, e a luz era um mero desvio. A volta à escuridão era inevitável. Ele percebeu, então, que todo o seu esforço, toda a sua pesquisa, havia sido em vão. Não havia explicação científica para o que estava acontecendo, porque isso não era ciência. Era a ordem cósmica se corrigindo, retornando ao que sempre fora.

Elias cambaleou até a janela, olhando para o horizonte. Não havia estrelas, não havia lua. Apenas o vazio opressor que engolia tudo. Ele se perguntou se a escuridão já não o havia consumido também, se ele ainda estava ali, ou se apenas pensava estar. Seria ele apenas uma lembrança na mente de um universo indiferente?

Aos poucos, a realidade ao seu redor começou a se desfazer. Os objetos em sua sala pareciam se distorcer, as paredes se diluíam em sombras. Ele não sabia mais o que era real. O espaço, o tempo, sua própria existência — tudo parecia estar se desintegrando, como se a escuridão estivesse corroendo a própria estrutura da realidade.

Ele tentou gritar, mas sua voz não saiu. Talvez já não houvesse ar. Talvez o som tivesse sido absorvido, assim como a luz. A escuridão o cercava, o puxava, e Elias, em um último ato de desespero, se agarrou à única verdade que restava: o universo era escuridão. Sempre fora. E ele, como tudo o mais, estava destinado a se unir a ela.

Quando a última faísca de sua sanidade se apagou, Elias aceitou o que antes o aterrorizava. Ele entendeu, finalmente, que a escuridão não era uma inimiga. Ela era o estado natural de todas as coisas. A luz, a vida, a própria consciência humana, eram apenas sombras passageiras em um vazio eterno.

E, no fim, não havia nada mais a temer.

A União com o Vazio - ByLiFearOnde histórias criam vida. Descubra agora