2. A Primeira Noite Eterna

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Elias sentou-se diante do telescópio, envolto em silêncio. Desde que começara a notar o fenômeno, a escuridão no céu parecia cada vez mais densa, mais sólida. Era como se o vazio entre as estrelas estivesse crescendo, apagando os pontos de luz, um a um, até que restasse apenas um oceano negro. Ele registrava os desaparecimentos meticulosamente, noite após noite, mas a frustração tomava conta de sua mente - não havia explicação plausível para o que estava acontecendo.

Naquela noite, no entanto, algo diferente pairava no ar. O clima frio de montanha era sufocante, e Elias sentia uma pressão crescente em seus ouvidos, como se o mundo ao seu redor estivesse lentamente se comprimindo. Quando verificou o relógio, percebeu que o sol deveria ter nascido há horas. Ele olhou pela janela da cúpula do observatório. A escuridão lá fora era completa. Não havia indícios do amanhecer, nem o menor rastro de luz no horizonte.

"Impossível," murmurou, ajustando os instrumentos para observar o céu novamente. O vazio impenetrável estava ali, engolindo todas as estrelas que conhecera por anos. Nenhum ponto brilhante, nenhuma constelação familiar. O cosmos tinha se tornado um abismo de trevas.

Os primeiros sinais de pânico vieram do rádio. Vozes frenéticas se entrelaçavam em um amontoado de estática. Elias ouvia relatos vindos de várias partes do mundo: o sol não havia nascido em lugar nenhum. Em alguns locais, era como se a escuridão estivesse caindo como uma cortina definitiva, eliminando qualquer vestígio de luz.

Ele tentou alcançar seus colegas em outros observatórios, mas as linhas de comunicação estavam falhando. Cada tentativa resultava em um zumbido distorcido, seguido por um silêncio desconcertante. A solidão agora não era mais apenas uma escolha, era uma prisão, e ele estava isolado no centro dela.

Elias notou algo ao longe, no horizonte. A escuridão parecia pulsar, como se fosse uma coisa viva. Não era a mera ausência de luz, como costumava ser a noite. Esta escuridão parecia diferente - mais densa, mais opressiva. Havia uma profundidade nela que desafiava qualquer descrição, como se os olhos não pudessem compreendê-la totalmente.

Ele afastou-se da janela, tremendo involuntariamente. Um pensamento se formava, latente e incômodo, no fundo de sua mente: A escuridão estava crescendo.

Enquanto tentava controlar o pavor que começava a se infiltrar em sua mente, Elias percebeu outra mudança. O tempo, sempre um conceito sólido e confiável, agora começava a se dissolver. Sem a luz do sol, seus ciclos de vigília e sono tornaram-se erráticos. Ele perdia a noção de quanto tempo passava entre suas observações. Sentia como se estivesse preso em um lapso eterno, onde os minutos se arrastavam como horas, mas as horas desapareciam em um piscar de olhos.

A sensação de ser observado o envolveu. No início, parecia um leve desconforto, como se houvesse algo nas sombras, apenas além de sua visão periférica. Conforme a noite eterna se estendia, o sentimento tornou-se insuportável. Elias sentia que a escuridão o estudava, absorvendo cada movimento, cada pensamento. Ele sabia que estava sozinho no observatório, mas o espaço ao seu redor parecia habitar alguma presença invisível e insondável.

Tentando suprimir a paranoia, ele se lançou aos seus cálculos, buscando algum sentido no caos ao seu redor. Mas sua mente, antes clara e afiada, agora vacilava. Ele já não conseguia se lembrar de como a luz era. Era uma lembrança distante, intangível, que escapava por entre seus dedos como areia fina.

Houve ruídos.

Elias congelou. Um som suave, como o de passos leves, ecoou pelo corredor do observatório. Ele esperou, os olhos arregalados, o coração batendo em ritmo irregular. Outro som. Passos lentos, precisos, aproximando-se.

Correu até a porta, trancando-a. Não havia ninguém ali fora. Ele sabia disso. E, no entanto, os passos continuavam, circulando ao redor de seu espaço, sussurrando na escuridão. Um terror visceral começou a crescer em seu peito.

Foi então que ele viu - uma sombra movendo-se, não no céu, mas dentro da própria escuridão. Ela não tinha forma definida, era uma ausência dentro da ausência, uma parte da noite que parecia mais viva, mais tangível. Elias ficou paralisado, seus olhos fixos no ponto em que a escuridão parecia respirar. Algo estava ali, sem forma ou substância, mas presente de um modo que desafiava toda razão.

Naquele momento, ele soube que o mundo havia mudado. Não era mais o mesmo, e nunca mais seria. A escuridão não era apenas a ausência de luz. Ela tinha uma qualidade, uma intenção. Elias sabia que, embora não pudesse vê-la, ela o via.

E agora, ela o cercava por todos os lados.

O rádio chiou. Uma voz ecoou na estática, indistinta, carregando uma mensagem fragmentada. Elias agarrou o aparelho com desespero, mas as palavras que saíram não trouxeram conforto. Apenas uma frase foi clara o suficiente para penetrar o caos:

"Não há mais amanhecer."

A União com o Vazio - ByLiFearOnde histórias criam vida. Descubra agora