04

6 1 0
                                    

Elena

Os dias dentro da mansão eram longos e, apesar de não haver sofrimento físico, a sensação de ser prisioneira ainda me atormentava. A maior parte do tempo era passada no quarto, cujas cortinas pesadas impediam a luz do sol de iluminar muito o ambiente. Tudo parecia distante e frio, mas, ao mesmo tempo, não era tão ruim quanto estar com Ronan. Não havia violência, não havia gritos. Era como estar em um limbo.

Sr Matteo não aparecia muito. Na verdade, eu o via raramente, e quando ele surgia, era apenas para falar com os outros. Ele quase nunca dirigia a palavra a mim. Era o silêncio que me incomodava, um silêncio cheio de incertezas.

Uma manhã, uma das empregadas trouxe o café da manhã, como fazia todos os dias. Ela nunca trocava mais que duas ou três palavras comigo.

- Bom dia, signorina. - Ela colocava a bandeja de prata ao lado da cama. - O senhor Denaro está fora, mas disse para garantir que a senhorita estivesse bem.

Eu sempre respondia apenas com um aceno, sem saber o que pensar sobre o fato de Matteo se preocupar com o meu bem-estar. Uma pessoa tão fria, tão calculista... Não parecia que ele fazia isso por bondade.

Comi apenas algumas frutas e deixei o resto. Ficar parada me deixava ansiosa. Decidi caminhar um pouco pelo quarto, esticando as pernas. A mansão era vasta, cheia de corredores que eu ainda não conhecia, mas eu sentia que não tinha permissão para explorar.

Foi então que ouvi passos fora da porta. Ela foi aberta de forma brusca, e um homem que eu reconheci como um dos soldados de Matteo entrou sem cerimônia, com um sorriso perturbador no rosto.

- A senhorita é tão isolada aqui... Que pena que o capo te mantém escondida. - Ele trancou a porta atrás de si e se aproximou devagar. - Talvez você queira um pouco de companhia.

Meu corpo congelou. Tentei recuar, mas ele já estava perto demais. O cheiro forte de álcool se misturava com o ambiente, tornando minha náusea ainda mais intensa.

- Saia daqui - tentei ordenar, mas minha voz saiu fraca.

Ele riu, desdenhoso, ignorando o que eu dizia.

- Matteo não precisa saber. Ele tem tantas coisas para se preocupar... - Ele colocou as mãos nos meus ombros, com força, e me empurrou contra a parede. Eu lutei, empurrando-o, mas ele era muito mais forte.

Foi então que a porta se abriu violentamente, batendo contra a parede. Matteo entrou com Giovanni logo atrás.

- O que está acontecendo aqui? - A voz de Matteo cortou o ar como uma lâmina.

O soldado congelou por um momento, soltando meus braços, mas Matteo já estava ao seu lado em um segundo, o agarrando pelo colarinho da camisa.

- Eu te disse que ninguém toca nela, não foi? - A voz de Matteo estava calma, mas seus olhos queimavam de fúria. - E você decide me desobedecer?

- Eu... eu nã.. não... - gaguejou o soldado, visivelmente apavorado.

- Fora daqui antes que eu arranque sua língua. - Matteo o empurrou com força em direção à porta. - Giovanni, se ele não desaparecer até o fim do dia, acabo com você!!

Giovanni apenas acenou em silêncio.

Assim que ele sumiu do corredor, Matteo se virou para mim. Seus olhos frios suavizaram levemente por um segundo.

- Você está bem? - Ele perguntou, sem realmente esperar uma resposta.

- Estou - consegui dizer, mesmo que ainda estivesse tremendo.

Matteo me observou por mais um momento, sua expressão era quase indecifrável. Ele então deu um passo para trás, recuando em direção à porta.

- Isso não vai acontecer de novo. - Ele falou com firmeza. - Giovanni vai garantir que você esteja segura.

- Por que você se importa? - As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar. Minha voz saiu mais desesperada do que eu gostaria.

Matteo parou, sua mão já na maçaneta da porta. Ele me olhou, os olhos cinzentos analisando meu rosto.

- Isso não é sobre você, Elena. - Ele disse, com um tom mais frio do que antes. - É sobre controle.

Ele saiu sem dizer mais nada, deixando-me sozinha novamente no quarto. Mas, dessa vez, o silêncio pesava de uma maneira diferente. Algo havia mudado, mesmo que eu não pudesse entender exatamente o quê.

*

Os dias passaram lentamente, já conseguia andar pela casa, mas havia uma regra clara: o terceiro andar era proibido para mim.. Matteo continuava distante, mas a ausência de ordens rígidas me dava alguma liberdade. Passei a ajudar nas tarefas da casa, algo que insisti em fazer. As empregadas se mostravam hesitantes no início, mas logo cederam.

Então, em um dia que parecia ser como qualquer outro, ele retornou. A porta da mansão foi aberta com força e um alvoroço começou. Fiquei no meu quarto, curiosa, mas apreensiva. Depois de um tempo, ouvi vozes baixas do lado de fora. Me aproximei, e pelo vão da porta, vi Matteo entrando, coberto de sangue. Seus olhos estavam semicerrados de dor, e um de seus soldados parecia nervoso, chamando um médico às pressas.

- O que aconteceu? - perguntei, saindo do quarto e me aproximando.

- Não é da sua conta, Elena. - respondeu Matteo, com a voz rouca, enquanto se sentava com dificuldade em uma poltrona. Ele pressionava o ombro, de onde o sangue escorria lentamente.

Eu sabia o que era cuidar de ferimentos. Ronan... ele me fez aprender, à força, para ajudá-lo e a seus homens. Eu não queria me envolver, mas ver Matteo daquele jeito, machucado, ativou algo dentro de mim, como um reflexo.

- Deixe-me ajudar - disse com a voz baixa, mas firme. Ele me olhou, cético, mas então assentiu.

Me aproximei devagar. Ele não falou nada enquanto pegava os materiais que estavam na mesa ao lado. Lembrei de como fazer. Limpar o sangue, verificar a ferida. O médico ainda não havia chegado, e eu precisava ser rápida.

- Respire fundo - pedi a Matteo enquanto olhava para o buraco da bala em seu ombro.

Ele fechou os olhos, respirando fundo. Quando comecei a mexer, ele grunhiu de dor. Era um som profundo, e por um instante, minha mão hesitou. Seu rosto se contorceu.

- Está tudo bem. Continue... - murmurou ele entre os dentes.

Minha respiração estava rápida. Cada movimento meu era tenso, tentando evitar causar-lhe mais dor. Então, quando cheguei à parte mais crítica, para remover a bala, Matteo soltou um gemido grave. Instintivamente, tremi, recuando levemente. Minha mente disparou de volta aos momentos com Ronan. Minha mão hesitou, e eu me encolhi, esperando um golpe que não veio.

Matteo abriu os olhos, ainda ofegante de dor, mas ao ver minha reação, sua expressão suavizou, de forma quase imperceptível.

- Não sou ele, fique tranquila.- disse ele com uma voz surpreendentemente suave.

Eu olhei para ele, sem conseguir dizer nada, mas aquele pequeno momento fez algo dentro de mim mudar. Respirei fundo, tentando me recompor. Continuei o trabalho, removendo a bala com todo o cuidado.

Depois de longos minutos, finalmente terminei. O sangue parava de escorrer, e o ferimento estava limpo. O clima entre nós estava pesado, mas não da mesma maneira que com Ronan. Não era medo. Era... algo mais.

- Obrigado - murmurou ele, a voz baixa e rouca de cansaço.

Eu apenas assenti, sem encontrar forças para falar.

....

Liberdade nas SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora