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Matteo

Nunca gostei de eventos como este. Reuniões que prometem alianças, mas que no fundo não passam de um desfile de ego e poder. O cheiro de falsidade é quase palpável, e a tensão no ar só confirma que todos aqui fariam qualquer coisa para se manterem no topo. Mas é o que se espera nesse mundo.

- Não vejo a hora de sairmos daqui - murmuro para Giovanni, meu Consigliere, enquanto caminhamos pela multidão.

Giovanni, sempre observador e astuto, mantém sua postura impecável. Ele é meu braço direito, a única pessoa em quem confio de verdade.

- A máfia irlandesa está cada vez mais instável, Matteo. Liam e Ronan... os dois têm interesses conflitantes. E isso, mais cedo ou mais tarde, vai estourar - diz Giovanni, com um olhar atento nos arredores.

- Ronan é um tolo, guiado apenas pelo desejo de controle e prazer. Liam, por outro lado, sabe o que faz, mas subestima o próprio filho. Isso os enfraquece - respondo, sem tentar esconder o desprezo.

Giovanni assente, como se já esperasse essa resposta. Ambos sabemos que alianças mal estruturadas são armas prestes a disparar contra seus próprios donos. Meu olhar se volta para a multidão, e, no meio dela, avisto Alessandro Vitale.

- Vamos, o anfitrião nos espera - digo a Giovanni.

Caminhamos até Alessandro, o chefe da maior máfia aliada de todas, cuja presença traz respeito automático. Assim que nos aproximamos, ele nos cumprimenta com um aperto de mão firme, o olhar frio e calculista como sempre.

- Matteo, Giovanni - ele começa, sua voz profunda cortando o burburinho ao redor. - Espero que estejam aproveitando a noite.

- Se por aproveitar você quer dizer vigiar cada movimento para garantir que não há traição, então sim - respondo com um meio sorriso, e Alessandro solta uma risada discreta.

Depois de alguns instantes de conversa superficial, Alessandro muda o tom, ficando mais sério.

- O vi conversando com Liam e preciso alertá-lo sobre ele. A máfia irlandesa está cheia de conflitos internos, e eles estão mais perigosos do que parecem. Cuidado com qualquer acordo ou provocação. Eles não hesitarão em derrubar quem estiver no caminho.

Giovanni acena com a cabeça, já ciente da situação, mas é claro que há algo mais. Alessandro nunca alerta sem um motivo mais profundo.

- Não é surpresa - respondo, pensativo. - Ronan tentou bancar o durão mais cedo, mas seu desespero é evidente. E sua esposa... bem, ela parece mais prisioneira do que companheira.

Alessandro estreita os olhos e se aproxima um pouco mais, baixando o tom de voz.

- Não se intrometa nesse assunto, tenha cuidado com ela Matteo. Elena é uma ferida aberta para Ronan. Ele é possessivo, obsessivo até. Mexer com ela pode ser um caminho sem volta, e se há algo que ele ainda valoriza, é essa ilusão de controle sobre a mulher.

- Ilusão? - pergunto, intrigado.

- Ronan não consegue manter o controle sobre muitas coisas, mas sobre ela... Ele nunca deixaria ninguém tocá-la. Isso o tornaria imprevisível, mais do que já é - Alessandro explica, sua voz grave com um tom de aviso.

Sorrio de canto, sabendo que o que ele diz é verdade, mas isso só me deixa mais curioso sobre ela.

- Cuidado, Matteo - Alessandro me alerta mais uma vez, percebendo o brilho nos meus olhos. - Há muitos perigos nesse caminho.

O resto do evento transcorreu sem maiores atritos. Após o aviso de Alessandro, mantive meus olhos atentos, mas ninguém ousou cruzar a linha. Conversas fluíam em torno de alianças, negócios e falsas promessas de paz. Sabia que cada sorriso escondia um veneno, cada aperto de mão poderia se tornar um punhal nas costas.

Alessandro, sempre o mestre da diplomacia, conseguiu manter o clima estável. Os mafiosos brindaram, trocaram cumprimentos e, aos poucos, o salão começou a esvaziar. Ao final da noite, nada fora do normal aconteceu, e partimos com a sensação de que aquele evento não era mais que uma calmaria antes da tempestade.

*

Na manhã seguinte

De volta ao meu território, no casarão da Cosa Nostra, me senti mais em controle. A propriedade, localizada longe do caos urbano, exalava poder. Era uma fortaleza, impenetrável para quem não fosse da família. Aqui, no meu escritório, cercado por paredes forradas de livros e janelas que ofereciam uma vista privilegiada das terras, eu sentia a segurança que poucos homens no meu lugar têm.

Estava revisando alguns documentos quando a porta se abriu bruscamente, e Giovanni entrou, o rosto transparecendo urgência.

- Matteo! - Ele exclamou, fechando a porta atrás de si.

- Giovanni, o que houve? - perguntei, já sabendo que boas notícias não vinham com essa expressão.

- Fomos atacados pelos irlandeses esta manhã. Roubaram uma carga muito valiosa, mataram 15 de nossos soldados... e deixaram um recado. - Giovanni passou a mão pelos cabelos, frustrado. - Eles disseram que a guerra começou.

Um silêncio pesado caiu entre nós. O mundo que sempre esteve à beira do colapso finalmente explodiu. O aviso de Alessandro na noite anterior agora fazia todo o sentido.

- Que carga? - perguntei, minha voz firme, mas sentindo o ódio aumentar no peito.

- Armamento. Coisa pesada. Estava destinada a reforçar nossas defesas no sul. Eles sabiam exatamente o que estavam fazendo, Matteo. E isso significa que têm informantes em algum lugar.

Minhas mãos apertaram o braço da cadeira. Ronan, esse era o seu estilo. A arrogância, a sede de mostrar poder. Ele estava provocando, mas não sabia com quem estava lidando. A máfia irlandesa podia ter seus recursos, mas não estavam preparados para o que eu podia trazer à mesa.

- E o recado? - perguntei.

- Mandaram o corpo de um de nossos soldados e gravaram em sua pele a frase ''A paz acabou. Prepare-se para o fim''. - Giovanni replicou, sua voz carregada de seriedade. - Ronan está por trás disso, não tenho dúvidas.

Levantei-me lentamente da cadeira, cruzando os braços enquanto olhava para a janela. A guerra, que tantos tentaram evitar, finalmente se tornara inevitável. Não era só sobre poder ou território. Isso era pessoal. A traição dos irlandeses não seria perdoada.

- Giovanni, quero todas as nossas operações no sul reforçadas. Dobre a segurança nas fronteiras. Prepare os homens. A partir de agora, cada movimento deles será monitorado. Se eles querem guerra, é o que terão.

Giovanni assentiu, já se movendo em direção à porta.

- E Giovanni... - o chamei de volta. - Vamos usar essa guerra para ensinar Ronan uma lição que ele nunca esquecerá.

- Sim, Don Matteo. Vou providenciar tudo imediatamente. - E com isso, ele saiu.

Fiquei sozinho no escritório, os olhos fixos na paisagem do lado de fora, mas a mente já no campo de batalha. A guerra começou. Agora era uma questão de quem sobreviveria até o fim.

....

Liberdade nas SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora