11 . A M.E.S.A

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Mais uma noite que eu não havia visto ninguém lá em casa. Estava habituada com as paredes vazias e os barulhos dos grilos que me faziam companhia à luz da lua. Tatiana, minha irmã mais velha, provavelmente chegou tão tarde da faculdade que eu nem ouvi quando entrou pela porta. Já minha mãe estava no hospital porque era dia de plantão noturno. Comi um pedaço de lasanha requentado que achei na geladeira e dormi cedo.

A primeira aula de hoje seria espanhol e um frio se alastrava pela minha barriga em antecipação. Apesar de Guilherme ter de um jeito esquisito no dia anterior, nós tivemos uma pequena troca legal pela primeira vez. Não é que eu quisesse ir atrás dele ou conversar com ele, mas eu precisava por causa da aposta.

Joguei minha mochila no meu assento e fiquei esperando que ele entrasse. Cada vez que um aluno entrava eu olhava para a porta até que a professora chegou, fechando-a atrás de si. O tempo havia acabado.

Onde Guilherme havia se metido?

Respirei fundo, decepcionada comigo mesma ao perceber que havia ficado empolgada com a ideia de conversar com um garoto. Qual a última vez que isso tinha acontecido? Talvez no início com o Heitor. Atualmente, os meninos geralmente eram um meio para um fim. Usava um ou outro quando precisava deixar claro que o Heitor não era o único, apesar de ser o principal. Não seria justo ele pegar a escola toda e eu ficar como uma pateta. As pessoas iriam pensar que eu estava levando galha e não que nosso relacionamento era aberto. Então, apesar de não ter interesse, eu ainda beijava aqui e ali quando precisava reafirmar a minha posição.

Às vezes eu pensava se não seria melhor não ser popular. Poder passar pelos corredores sem ter que me preocupar com o que as pessoas falavam ou deixavam falar sobre mim. Ser invisível. Mas essa escolha havia sido tirada de mim. Se eu não podia me esconder, então eles me veriam, mas as partes que eu queria mostrar. Tomei o controle do falatório em minhas mãos e o torci. Agora eu era inquebrável.

A aula passou devagar. Nas outras acabei ficando perto de Eduarda, que me atualizou das últimas fofocas da escola. Eu evitava passar muito tempo com ela porque sabia que ela jamais andaria comigo se eu não fosse a líder do time, mas era o tipo de coisa que eu precisava suportar. Também nunca havia gostado da forma que ela falava sobre as outras pessoas. Eduarda era o tipo de gente que sorria para você na frente e cuspia veneno pelas costas. Eu sorria em sua direção, mas sabia que a garota ainda não tinha engolido a nossa última conversa em que eu a coloquei no seu lugar.

— Você sabe... as pessoas ainda estão falando que vai perder a aposta — ela comentou. Sabia que ela acabaria entrando nesse assunto em algum momento. Não tinha amor à vida mesmo.

— Não estou preocupada. Ainda é cedo.

— Eu me preocuparia — entoou olhando para suas próprias unhas.

Sabe o veneno?

Eu rolei os olhos. Não cairia no golpe da Eduarda. Guilherme era como um bichinho selvagem arisco, eu já havia percebido que minhas táticas habituais não funcionariam com ele, então só restava ter paciência.

— Ainda bem que não é a sua preocupação, não é? Para a sua sorte, a aposta é minha, você só precisa se concentrar em manter seu lugar no time. — Sorri, enquanto pegava meus materiais e levantava para sair da sala.

No corredor topei com a Melinda. Ela estava com a galera do clube de matemática, mas se despediu deles e veio até mim quando me avistou.

— Qual o grau de irritação com a Eduarda hoje? — perguntou, apontando com o queixo para a garota que saiu da sala atrás de mim.

— Como você sabia?

— Previsível. Toda vez que você tem aula com ela fica com essa cara azeda depois. — Deu um sorriso gigante de quem me conhecia bem.

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