3. O beijo que Recusei

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Com a partida do eletricista, a casa retomou o seu silêncio sufocante

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Com a partida do eletricista, a casa retomou o seu silêncio sufocante. Eu me vi cercado por uma onda de inquietude, a mesma que sentia na presença do porão.

A curiosidade me levou de volta até o inferno. Notei que algo estava errado. As páginas espalhadas no centro do porão, agora pareciam ter deslizado para a lateral da bancada — algo impossível, não há vento aqui embaixo. Tampouco mexi nas folhas.

Além dos cateteres quebrados, havia uma antiga lata de Coca-Cola sobre a mesa, tão antiga quanto a poeira do local. Todo o resto parecia imóvel, como se as respostas tivessem escapado pelas escadas.

Enquanto tentava me dedicar à escrita, o silêncio não era completo. O leve som de algo arranhando, quase imperceptível, misturava-se ao ranger das paredes. Respirei fundo, tentando ignorar, mas era como se o som aumentasse, pulsando com meu coração.

Minhas mãos tremiam tanto que preferi deixar o celular sobre a mesa com o viva-voz ativado. Pela primeira vez, a decisão de ligar para o editor partiu de mim.

— N-não sei se consigo escrever, Morello! — O homem grunhiu diante da minha confissão.

Minhas mãos não paravam, apertando e soltando os braços da cadeira repetidamente. As unhas arranhavam ainda mais a madeira desgastada.

Enquanto falava com o maldito, a luz flutuava de maneira estranha. As sombras das prateleiras oscilavam, quase como se estivessem respirando. Pisquei forte. Isso era estresse, só podia ser.

— Quanto mais você demorar, mais caro fica o aluguel desse lugar... Se lhe serve de incentivo, vou descontar o valor dos seus royalties.

Era um absurdo, eu "lucrava" apenas 10%, e sequer foi decisão minha ficar nesse casebre. Mas a sensação de que algo além de nós acompanhava aquela conversa, me forçou a abaixar a voz. Uma brisa fria tocou minha nuca, embora todas as janelas estivessem fechadas.

Não era possível. E ainda assim, a pele arrepiada em meu braço não mentia.

A pressão em meu peito aumenta. — C-como posso escrever sobre um sentimento que desconheço? — Olhei de soslaio, ciente das sombras que espreitavam por detrás das cortinas.

— Você não é um artista? SE VIRA, DIEGO! — E, pela primeira vez, foi ele quem desligou na minha cara.

Morello não parecia só irritado — ele soava quase faminto, como se quisesse me devorar junto com os lucros que não vinha recebendo.

Bem ou mal, era ele, o único rato que me fazia companhia ao longo da vida, mais pelos 'queijos' que forneço a ele do que por qualquer resquício de amizade que nutrimos desde os tempos da faculdade.

E confesso que vê-lo se afastando, me desprezando, é desolador. Se nem ele, que precisa de mim, parece se importar, quem mais o faria?

Talvez fosse por isso que nunca me livrei de Morello. Ele era incômodo, sufocante, mas... estava ali.

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