Era quente e úmido, ao contrário do restante da cabana, gélida em abandono. Uma luz pálida e doentia pendia do teto, presa por um fio desgastado, balançando suavemente enquanto lançava sombras grotescas pelos cantos.
A madeira coberta de bolor respirava, pulsando como se estivesse viva. Os pelos em minha nuca se arrepiaram, mesmo que ali fosse quente, ao ponto de o suor brotar e escorrer pelo meu corpo. Era como acessar as entranhas de um demônio faminto.
Os estalos da madeira sob os meus pés ecoavam pelo espaço apertado, como se o próprio chão gemesse de prazer com a minha descida pelas escadas. Mesmo trêmulas, minhas pernas insistiram em continuar, degrau por degrau.
Ao meu redor, estantes antigas inclinavam-se precariamente, prestes a desabar sob o peso dos livros encharcados pela umidade, mofados pelo tempo. Páginas soltas e amareladas espalhavam-se pelo chão.
Em meio a elas, encontrei a fonte da podridão, a combinação que apenas uma perfumaria de sarcófago poderia alcançar.
A camada de pelos se desprendia da carne azul-esverdeada como um tapete. Vermes contorciam-se entre as costelas. Cavidades vazias no lugar dos olhos, me vigiam.
Um gato morto.
E, apesar da repulsa crescente, eu o toquei, apertei a carne gosmenta que me escapava entre os dedos. E, assim que o fiz, as luzes se apagaram.
Um grito esganiçado, um miado distorcido. Caí. O coração disparado, tateei as tábuas ásperas tentando me orientar. O calor... estava mais perto.
Um novo som irrompeu, baixo, arrastado e sorrateiro, como se algo se movesse nas sombras, observando, aguardando. Afundei novamente os dedos na massa disforme e gosmenta, recolhi o que podia do gato e fugi dali.
As escadas me impediam. Tropecei. Berrei. Escorreguei. Mas subi. Minhas costas bateram contra a porta, que fechei com um estrondo.
O gato gemeu. Entre os meus dedos, os vermes dançavam.
Seus olhos vazios refletiam a minha alma. Um sorriso morto. Trêmulo, fui até a lixeira e joguei o cadáver. Mas minha mente? Ficou presa no porão.
As horas se passaram, mas não o meu tormento. Ao menos o odor pútrido diminuíra consideravelmente.
Estava sentado à mesa, tentando rascunhar os primeiros capítulos daquela história. Mas era impossível manter os olhos sobre as páginas ainda brancas.
Eles insistiam em se focar na porta fechada ao final do corredor à minha frente. Como escrever algo belo quando o miado cadavérico ainda ressoa na minha cabeça? Quando o porão insiste em me habitar.
Eu estava decidido a voltar, ele implora por mim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Porão Que Me Habita - yaoi
Romansa| Monster Romance de Terror + 18 | "Enquanto você passa o dia lá em cima, eu aguardo ansiosamente pelo seu retorno. E pelas migalhas que me deixa aos seus lábios, com tanto amor." Um autor desesperado em seu bloqueio criativo é forçado a se mudar p...