7. O que deixei para trás

10 4 10
                                    

Os dois dias de internação no hospital serviram apenas para curar as queimaduras e as feridas em meu corpo, mas a minha alma continua destroçada

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Os dois dias de internação no hospital serviram apenas para curar as queimaduras e as feridas em meu corpo, mas a minha alma continua destroçada.

Nas noites solitárias, busquei refúgio em seus braços, imaginando o que teríamos consumado naquele dia se você não tivesse vomitado em mim, e eu não tivesse fugido. Minhas mãos passeavam na pele e pela minha extensão, mas eu fantasiava que fossem as suas.

No noticiário descobriram que o velho era um cientista que mantinha um laboratório clandestino. Segundo a necrópsia, ele morreu meses antes de eu chegar, ao ingerir um dos seus produtos químicos.

Sento-me em um dos bancos de metal do aeroporto, as mãos entrelaçadas e trêmulas sobre os joelhos. Olho ao redor, mas tudo parece um borrão: gente apressada, malas rolando, vozes misturadas. É como se eu estivesse fora de ritmo, parado enquanto o mundo ao redor segue. Dentro de mim, só há o silêncio pesado e o vazio.

Tudo o que consigo pensar é no que perdi — no que eu mesmo destruí. Eu me sinto um covarde.

Se ao menos eu tivesse guardado a sua antena... se fosse capaz de ver além do que julgava repulsivo, de abrir a porta que o amor me ofereceu. Mas, como sempre, minha própria incompreensão me fez recuar, me afundar no medo. Como é possível que a criatura mais improvável tenha sido a única a me oferecer algo tão sincero?

O celular vibra no meu bolso, e vejo o nome de Morello na tela. Engulo em seco, já sem forças para recusar qualquer coisa. Com um suspiro, atendo.

— Diego? — Ele começa, sem rodeios. — A história está pronta? Quero analisar ainda esta semana.

A voz dele é fria, sem uma pausa sequer para perguntar se estou bem. Tento responder, mas minha voz sai baixa, embargada. Tento explicar o que aconteceu, mas Morello me corta:

— Diego, eu não tenho tempo pra suas lamentações. Só preciso saber se o trabalho está pronto. Isso paga suas contas, não as suas crises.

Ouvir isso é como levar um soco no estômago. Com Morello, eu nunca fui mais que um "produto", algo para alimentar sua linha de lucro. Era essa a única importância que eu tinha para ele. É duro o vazio de estar em uma relação que nunca teve um pingo de verdade.

Passo a mão pelo cabelo e o rosto molhado por lágrimas que sequer me percebi derramar.

— Sim, está pronto — digo, com a voz abafada e falha. — Só precisa de alguns ajustes no final... para que seja feliz.

As palavras fluem junto com as lágrimas, que sequer tento segurar. Caio de joelhos ali mesmo, no chão do aeroporto, e desabo.

Sinto a dor e a culpa me esmagando, cada soluço um lembrete do seu toque morno e olhos úmidos, do que eu destruí de mais puro que tive.

Murmuro, quase inaudível, o nome "Roberto" — lamentando o amor que rejeitei. Sim, batizei minha querida barata mutante em homenagem ao homem que ele desejava ser para mim.

Do outro lado da linha, Morello bufa com impaciência:

— Você realmente ficou maluco depois do incidente na cidade. Pelo visto terei que corrigir muito mais do que esperava.

Ele não me escuta. É como se ele fosse incapaz de perceber o sofrimento que pesa em meu peito. Minha curta história com Roberto, ele nunca entenderia. E eu jamais contaria a ele.

Mas, de repente, surge uma voz calma e grave, sussurrada próxima a mim.

— Não chores, Diego. O amor que sentimos, assim como minha espécie, é resistente. Tal como portas que, uma vez abertas, nunca mais se fecham, os sentimentos que descobrimos juntos não podem ser desfeitos.

— Quem disse isso? — a voz de Morello soa no telefone, o tom curioso e impaciente. Um resgate forçado à nossa conversa. — Quem falou essa coisa sobre portas abertas e sentimentos? Vai colocar no livro?

É então que sinto um toque suave, quente, em meu dedo. Eu olho para baixo e vejo algo que me faz respirar pela primeira vez desde que deixei o hospital. Lá, em cima da alça da minha mala, está Roberto.

Ele me encara pequenino, com os olhos negros e meigos

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

Ele me encara pequenino, com os olhos negros e meigos. E, no instante em que o vejo, meus lábios se erguem em arcos largos, exibindo os dentes.

— Você voltou... — minha voz sai quase como um sussurro, tremendo.

Cada palavra dele me atinge fundo, como um bálsamo para meu arrependimento. Ele estava ali, apesar de tudo. Entre as lágrimas e o sorriso, meu coração estava mais leve do que pensei que fosse possível.

Seguro-o com cuidado e afago sua antena com carinho, enquanto a dor se dissipa.

Ainda acariciando a carapaça de meu querido Roberto, respondo, sem hesitar:

— Foi Roberto.

Ouço um resmungo exasperado de Morello:

— Quem?

Com um sorriso tranquilo e finalmente em paz, eu respondo baixinho:

— Meu coração.

Inclinando-me, beijo a sua única antena inteira e o que restou da outra, permitindo que o amor, em sua forma mais inesperada, seja finalmente aceito.

Morello insiste, interrompendo o nosso momento, e pergunta se poderia deixar o manuscrito com ele assim que desembarcar.

Sua voz está cheia de expectativa, uma urgência que não tem nada a ver comigo e tudo a ver com os prazos da editora. Fecho os olhos por um momento, sentindo uma última sombra de tristeza ao perceber que, para ele, é como se nada tivesse mudado.

Respiro fundo e respondo com mais firmeza do que imaginei possuir. Era a força que meu Roberto me dera, tenho certeza.

— Morello... eu não vou entregar esse manuscrito para você. Não para a editora.

— Como é que é? — Ele soa perplexo. — Diego, você enlouqueceu? Como acha que vai viver sem o contrato?

Seguro Roberto e o esfrego com carinho sobre a minha barba, sentindo sua presença que me dá uma coragem renovada. E agora, respondo tranquilamente.

— Vou me autopublicar. Vou lançar a história por conta própria, na plataforma Dinkle. Dessa vez, essa história será minha, e de ninguém mais.

Desligo antes que ele possa responder, um sorriso leve nos meus lábios. Finalmente, uma vitória sólida contra aquele rato. Seguro Roberto um pouco mais firme, sentindo finalmente o peso de anos se dissolver. Ele me olha com ternura e posso jurar que, por um instante, ele também sorri.

FIM? Vem capítulo extra (hot) por aí...

O Porão Que Me Habita - yaoiOnde histórias criam vida. Descubra agora