VOO

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Cassandra estava frustrada porque não viu Rogério sair de casa, apesar de ficar o tempo todo acordada e vigiando. Aquela enorme distração da encomenda deixada em sua casa foi suficiente para acabar com o plano inicial e obrigar a ser flexível.

Além de se sentir imbecil e amadora, estava consumida pela fadiga. Apesar da raiva, tinha um voo marcado e precisava chegar no aeroporto de Goiânia, sem falta. Iria de carro até a capital, para facilitar a viagem, pois a ida em um ônibus não seria ideal. Na verdade, naquele estado de exaustão, a única decisão ideal seria descansar.

Cassandra não poderia, não conseguiria e nem se permitiria.

Ruminou pensamentos amargos por todo o caminho enquanto dirigia, ponderando que o caso estava mais intrincado do que parecia no começo. Se houvesse uma disputa acontecendo, um dos dois lados em breve venceria o cabo de guerra e empurraria o outro para a polícia, isto é, no melhor dos casos. No pior deles, seriam todos exterminados. Não se tratava mais de saber quem estava espalhando o caos. Precisavam das provas para pegar a cabeça desse corpo caótico, explicar o motivo de tudo e interromper aquela insanidade.

Cassandra, a contragosto, estacionou o carro em um posto de gasolina de beira de estrada, onde toda mercadoria era superfaturada. Precisava comer, pois já se via trêmula e levemente enjoada. Não tinha escolha, então pegou tanta comida quanto era necessário para se manter em pé por mais algumas horas, sem inconvenientes fisiológicos. Enquanto mastigava, em um ato mecânico, sem desfrutar ou ter o mínimo de prazer, lia as últimas informações e mensagens. Não havia nenhuma novidade até então. Nada de realmente relevante.

Uma mensagem de Marília chegou como um presente. Já esperavam por Cassandra em Santarém. Aparentemente tinham o que conversar com ela, mas o assunto era tão longo que não cabia em uma troca de mensagens. Aparentemente, já que o tom de Marília deu a entender que não era apenas por esse motivo.

Um arrepio percorreu a nuca da investigadora, que enfiou os dedos por entre os fios de seus cabelos, que estavam ficando compridos para o seu gosto e praticidade.

Tinha outro grande problema para resolver, que era encontrar o rastro de Rogério. Santarém não era uma cidade pequena. Respirou fundo tentando se acalmar, pois tudo na vida tinha solução, menos a morte, então ela acreditou que iria conseguir.

Cassandra se levantou, pagou a conta, cujo valor quase dava para comprar um computador de tão alto, caminhou até seu carro com as compras extras e seguiu a viagem de horas até a capital do estado de Goiás.

*****

— A investigadora vai para Santarém... — Uma voz informou do outro lado da linha. — O dentista também.

— Ótimo, mantenham as informações sempre atualizadas. — A figura imponente desligou o telefone e encarou o jovem que estava preso a uma cadeira, logo à sua frente.

Seu olhar, com grandes olheiras profundas e arroxeadas, denunciava o quanto tinha chorado nas últimas horas. Sua vida foi da promessa de sucesso para um absoluto pesadelo. Ele sacrificou tudo, sem peso na consciência, e só se arrependia de não ter sido esperto o suficiente para fugir enquanto ainda existia oportunidade.

A pessoa que o encarava de frente puxou a cadeira e se sentou. Deslizou os dedos por entre os longos fios de cabelo e o observou em silêncio. Ele, que já não tinha mais uma orelha e um dos dedos. Os curativos eram feitos de maneira porca, com trapos de panos sujos de graxa e terra, presos com fita adesiva.

— Você acha que valeu a pena? — A detentora do poder questionou. — Tudo o que você fez... escolheu... Valeu o sacrifício?

A resposta foi um olhar cheio de medo e ódio, marejado por lágrimas que faziam arder. Não tinha direito nem à resposta, pois a mordaça que sufocava e deixava a boca seca, prendia a sua língua.

Assassinato no Parque Brito (postando)Onde histórias criam vida. Descubra agora