Sorte é o lado de uma moeda que geralmente cai virado para baixo quando preciso.
O desembaraçar dos cachos ruivos precisa de paciência, por isso acordo sempre uma hora antes de ir para aula. Sério, se eu fosse dona de uma longa cabeleira negra, lisa e bem hidratada seria hábito pular da cama cinco minutos antes do ônibus buzinar na esquina. Quando saio do quarto estou pronta para enfrentar as próximas quatro horas de aula.
Queria que minha vida fosse fresh, igual aos comerciais de pasta de dentes, mas não tem sido assim nos últimos tempos. Só Madonna para me dar forças nessas horas e olha que eu nem fico tão inspirada com cantores igual o pessoal daquela série musical.
Moro com minha mãe, não sei quem é meu pai e nem faço questão de saber nessa altura do campeonato. Ela é formada em Direito, mas nunca advogou, na verdade nem sei se chegou a passar na prova da OAB - Ordem dos Advogados Brasileiros -, ela não gosta de falar muito do passado, talvez não tenha sido tão bacana para que possa falar de algo com orgulho. Hoje em dia é vendedora de roupas em uma loja não muito longe da nossa casa, herança da minha avó, sorte ela não ter tido irmãos, não consigo imaginar muito bem esse cubículo dividido ao meio.
O xodó da casa é o Bobby, um poodle meio depressivo e viciado em papel higiênico. Nunca, jamais, never ever esqueça a porta do banheiro aberta, caso contrário você estará condenado a vagar com a bunda suja até o mercadinho do bairro (isso foi só drama, você pode pegar outro rolo no armário ou tomar banho).
Desligo o rádio e tranco a porta da casa, não sem antes verificar a porta do banheiro. O cheiro das flores do jardim me presenteia com um déjà vu de ontem.
A professora de literatura havia feito uma viagem para um simpósio, muito inteligente e bacana, mas sempre que podia achava um jeito de não ir dar aulas e por esse motivo cheguei na escola durante o horário do intervalo. Digamos que não tenho um grupo de amigos e por isso resolvi dar uma bisbilhotada na biblioteca antes de ouvir o sinal para a terceira aula. Devolvi um livro e peguei um outro sem escolher muito, mesmo porque as opções eram escassas, infelizmente.
Poucos minutos antes de subir para a sala fui no banheiro para ajeitar o estrago que o vento havia feito no meu não tão arrumado cabelo, algumas garotas cochichavam em frente ao espelho. Conhecia pouco e só de vista, eu estou no segundo ano e elas no primeiro.
– Você é a Pilar? – perguntou a provável abelha rainha do grupo.
– Sim – eu sabia que ela tinha certeza de quem eu era.
– Então... você deveria dar uma olhadinha no que andaram escrevendo sobre você ali dentro – apontou para a linha dos sanitários, cada box com sua porta rosa bebê.
Apertei a alça da mochila enquanto elas fugiam. Abandonada com minha curiosidade e expectativa de algo ruim me senti Carrie (aquela um pouco mais estranha que eu), esperando apenas uma chuva de absorventes no rosto e o balde de sangue de porco para o banho matutino.
São quatro boxes, as portas são novas e tive a sorte de ser a primeira estrela do banheiro da fama. Meu nome estava lá sem estrela alguma ao redor, nu no contraste marrom da madeira com pedaços de tinta rasgada nas bordas.
Da direita para a esquerda as mentiras ficaram mais pesadas. A primeira começava com PILAR É UMA VADIA e no quarto box terminava em COM TODOS OS GAROTOS QUE PUDER.
Voltei para o dia de hoje. Olhei para o relógio, daqui há meia hora terei uma reunião com a única pessoa capaz de me ajudar a pegar a idiota que resolveu mexer comigo.
Eu ainda não sei quem é, mas vai acabar engolindo um delicioso shake de lágrimas com os dentes da frente.
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Os pichadores
Teen FictionPilar é uma excelente aluna, mas os rabiscos gravados nas portas do banheiro feminino vão despertar o seu pior. Samuel é gay e todo mundo sabe, graças às pichações que aparecem toda manhã nos muros da escola. Spray, fofoca e maldade são os protag...