Interlúdio

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Ninguém cria um filho para que ele seja gay, é um pensamento retrógrado e doloroso, mas verdadeiro acima de tudo. É duro para nós, os pais. Eu sempre soube, gostaria de poder falar abertamente, isso é coisa impossível e não faria diferença alguma na vida de ninguém.

Ao longo da infância Sam era uma criança igual a qualquer outra. Dei todo o amor do mundo e tornei ele único no mundo, cativei e fui cativada, como diria a misteriosa raposa filósofa em O pequeno príncipe. Samuel só se destacava por ser mais inteligente e levemente delicado, coisa tola e nada importante que não somava qualquer dúvida em nossos corações, ninguém fica pensando de forma deliberada na sexualidade dos próprios filhos. Pouco tempo sobra para pensar na sua depois de ser pai...

Ricardo, meu marido e eu, somos felizmente pessoas de mente aberta e isso fez toda a diferença para primeiro respeitarmos, aceitarmos e por fim entendermos Sam, como pessoa e como propriedade. Sendo sincera gostaria de dizer que é assim é que nos imaginamos, filhos são nossos (principalmente para as mães). Filho é a única criação totalmente sua no mundo, tecidos e fluidos regados com os nutrientes que circulam sua corrente sanguínea. Nenhum pai quer entregar o filho para a realidade porque ele é indiscutivelmente uma parte sua que ganhou vida e quer ser alguém.

Nós o amamos de forma inefável e morreríamos por ele se necessário. O amor absoluto dentro dos meus conceitos ainda inclui um pouco de sacrifício, talvez um restinho da minha criação cristã onde o amor é provado com sangue e dor numa cruz. Isso não quer dizer que tenho fé.

O inferno são os outros, dizia Sartre. Comprovei sua citação no dia em que levei Samuel até a escola e vi a pichação que tentava denegri-lo como ser humano e isso fez uma pequena cicatriz na minha consciência. Algo doentio e antigo se revirou dentro do meu peito dizendo que aquilo não aconteceria se Sam fosse normal. Mas ele é, gritei para aquela coisa monstruosa com pensamentos doentios dentro de mim.

Nunca falei nada porque acredito que Sam deve dar o primeiro passo. Tirar ele dessa escola é uma decisão bem fácil de ser tomada.

Temos medo do que o mundo ainda faz com quem não segue suas regras.

Torço todos os dias para que as regras mudem.

Fale filho, peça ajuda logo para que eu me torne a leoa protetora que devo ser.

Estou esperando.

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