Little Talks (Rita)

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Meu nome é Rita e eu sou a rainha desse inferno, vulgo colégio.

A sinceridade é uma coisa que não ocorre na vida de pessoas em busca de fama e isso acontece na esfera dos corredores escolares também.

Gostaria de poder te dizer, amorzinho, que meu caminho foi trilhado com a doçura virginal de meu corte Chanel bem hidratado e não com o veneno destilado de minha boa lábia. Penso em mim atualmente como uma detetive particular e não como uma fofoqueira popular (ah que delícia). Sou dona de curvas bem trabalhadas, herança direta da minha família de Portugal. A única coisa que me deixa para baixo é meu nariz, um tantinho maior do que eu gostaria, mas ninguém parece se incomodar com isso, acho que um pouco de imperfeição me deixa mais humana e um pouco de maquiagem faz milagres.

Por falar nisso, minha mãe é maquiadora e meu pai também e as similaridades não terminam aí, ambos gostam de homem. Mas isso é um segredo de Estado entre nós, certo? Grata. Hoje eles são parceiros apenas nos negócios e se dão bem como melhores amigos, tenho certeza que essa ponte só foi construída para o meu bem-estar, eu tinha uns sete anos quando decidiram se separar por problemas no relacionamento, já que nunca houve um casamento de verdade.

Para ser popular eu criei uma lista a ser seguida:

1. Não é necessário dinheiro, mas contatos. Mantenha uma lista de dívidas correntes para favores futuros.

2. Fique longe dos perdedores, na frente dos outros.

3. Nunca faça uma lista de como ser popular, o poder tem que estar na mão de poucos.

Deus, Zeus e todos os outros santos desse país são testemunhas que eu sou uma boa pessoa, lá no fundo meu pâncreas (baby, esse é órgão mais profundo do corpo humano e é de lá que fluem meu amor e meu ódio).

Hoje é dia de boa ação. Atendimento no beco, atrás das latas de lixo, abaixo do som de um velho ar-condicionado. Gosto assim, escondida e protegida. Pilar é uma velha conhecida, ela tem na manga a mesma quantidade de informações do passado quanto a feliz capacidade de fingir que não sabe de nada.

— Obrigado por ter vindo. Não esperava que você fosse ler minha mensagem.

Amigas para sempre. - Falei zombeteiramente enquanto abria com a unha um potinho de tic-tac.

— Esse é o título do filme da Britney Spears, não nossa vida.

— Okaay. - escondi as balas fingindo estar magoada.

— Você sabe quem escreveu aquilo na porta?

— Uma menina. Ela sabe escrever. Talvez use o banheiro da escola com frequência, ou não, precisaria saber a capacidade de armazenamento da bexiga dela. Mas acima de tudo ela não quer que você fique feliz. Isso é tudo que eu sei por hora.

Pilar virou as costas e começou a ir embora. Acho justo, eu já havia feito isso com ela em um lugar bem pior que esse cenário noir. Antes que a cabeleira ruiva (água de salsicha) sumisse da minha vista pedi desculpas. EU NUNCA PEÇO DESCULPAS.

— Rita, eu não estou brincando. Preciso descobrir quem fez isso.

— Provavelmente a mesma pessoa que picha as paredes da escola sobre o Sam ser gay. Não que ele se importe muito com isso.

— Vou falar com ele.

— Deixa comigo. Vocês serão minha responsabilidade a partir de agora, antes que eu seja a próxima vítima. Na verdade, me sinto um pouco ofendida por não ter sido a primeira, quem está no topo sempre deveria ter prioridade. Posso pagar um sorvete para você?

— Como nos velhos tempos?

— Nossos velhos tempos não faz nem um ano.

— Para mim parece que foi ontem. – Seus grandes olhos de desenho japonês começaram a se encher de lágrimas e silenciosamente um rio de água salgada cobriu suas sardas. Deixei meu corpo escorregar ao lado do muro atrás de mim e comigo levei o corpo dela, precisávamos chorar à exaustão.

*****

Eu estava lá com - minha para sempre melhor ex-amiga -  Pilar no dia em que deixamos de ser crianças para sempre. Na TV passava um programa qualquer e conversávamos sobre as futilidades do meu namoro com Vicente. O dia estava lindo e como estávamos no segundo andar conseguíamos curtir a brisa com privilégios.

Decidimos alisar os cachos de Pilar enquanto o Youtube selecionava as músicas aleatoriamente. Pilar sentada de frente para o notebook e eu em pé sendo a cabelereira do dia. Mal sabia que eu seria a primeira a ver a triste cena que *nunca mais seria apagada dos meus olhos* mudaria vidas para sempre. Primeiro foi o som do portão de metal sendo aberto. E depois TRÊS TIROS QUE PARARAM O MUNDO.

Pilar se agachou na cadeira com medo e eu fiz o que não deveria: me virei para a janela de frente para o jardim de entrada da casa.

Primeiro vi dois caras em uma moto sem placa fugindo pelo lado direito da rua. Depois vi a poça de sangue e o corpo de Davi, primo mais velho de Pilar morrendo.

Fechei a janela e a cortina e me segurei nela. Eu já havia visto demais para duas pessoas.

*****

Davi era como um irmão para ela, tanto que morava ali enquanto terminava a faculdade. Pilar morreu por dentro e entrou em depressão, nossa amizade foi desaparecendo nas semanas seguintes porque fiquei ausente.

Quando os olhos secaram e o rosto ficou menos desinchado caminhamos até a melhor sorveteria do centro. Conversamos mais com os olhos do que com palavras e isso fez toda a diferença.
   Antes de ir embora abracei-a com toda a força que minha alma pedia, beijei seu rosto e acariciei com tristeza suas mechas cheias de vida. Nunca quis que ela houvesse chegado ao fundo do poço, mas na época acabei tendo que lidar com outro problema chamado gravidez na adolescência.

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Mil desculpas  pela demora em continuar a escrever galera, mas a vida foi um pouco corrida do outro lado da tela. Obrigado pela paciência.

Os pichadoresOnde histórias criam vida. Descubra agora