Gostaria de ser um astronauta, aposto que lá em cima os problemas do mundo se tornam tão pequenos quanto a distância permite. Engulo esse pensamento com um gole quente de café do McDonald's, meu fone de ouvido toca alto, gosto de colocar minhas células auditivas para trabalhar sob pressão, vivo as coisas ao extremo para que não sejam facilmente esquecidas.
Termino de comer e saio na boa companhia do meu celular e meus amigos armazenados ali dentro. Posso passar o dia todo trocando mensagens com eles, pessoas que nunca encontrei ainda. Hoje em dia, ninguém mais usa a palavra virtual, não sobrou muita coisa real. A chuva começa a cair enquanto atravesso o centro, amaldiçoei a hora em que não peguei o moletom com capuz.
Passo na lavanderia e busco as roupas brancas que minha mãe exigentemente gosta de ver alvíssimas. Gostaria de ter a disposição para limpeza e organização que ela possui, mas sou jovem e tenho coisas bem mais importantes para me preocupar que a maciez das toalhas de banho ou a quantidade de pó em cima de uma estante, o mundo gira e tudo se estraga sozinho.
Venderia minha alma se fosse possível para sair daqui, faz um ano que tento me acostumar, mas dependo do salário dos meus pais, que por sinal estão muitos felizes em seus novos empreendimentos imobiliários. Nos últimos meses temos passado pouco tempo juntos e para compensar a ausência tentam me comprar financeiramente e eu apoio muito essa nova tática psicológica!
Por um tempo dei uma olhada na lista de empregos disponível e acabei voltando atrás, preciso de tempo para as coisas que gosto de fazer. Todo mundo quer um emprego, mas ninguém quer trabalhar e sou uma das poucas pessoas verdadeiras o suficiente para anunciar isso em alto e bom tom.
Solto as toalhas no hall de entrada do apartamento e posso me dar ao luxo de ficar sozinho admirando o silêncio da ausência de vida. Curto essa coisa meio macabra da ausência humana, perdi a conta das horas que passei admirando imagens de cidades fantasmas; Pripyat e sua roda gigante nunca usada por conta do acidente nuclear de Chernobyl. Pompeia com os cadáveres de pedra, queimados vivos no magma do vulcão Vesúvio. Centralia e seu aspecto apocalíptico. Kangbashi e suas grandes avenidas bem asfaltadas, ah, poderia ficar o dia todo pensando nessas obras primas do abandono. Outra coisa que gosto é de estar dentro do shopping, principalmente na praça de alimentação, quando você presta atenção na soma de todas as conversas e elas se transformam em um único som estranho e altamente perturbador. Não disse que gosto dos extremos?
Passo a maior parte do tempo sozinho, às vezes consigo um amigo e acabo me afastando num modo de auto sabotagem que ainda não compreendi totalmente. Talvez grande parte dessa coisa toda venha do fato de eu ser GAY, demorei um pouco para chegar nesse assunto, mas gosto de chegar chutando portas com letras garrafais tão brilhantes quanto o anúncio dos melhores musicais da Broadway, só para poder desconstruir o conceito todo depois. Algumas pessoas são gays e outras não, supere isso.
Meus pais sabem que eu prefiro garotos, mas não se incomodam, assim como eu não fico incomodado com a heterossexualidade deles. Finjo que sou tímido para que me deixem em paz, sou apenas reservado, mesmo sendo uma coisa que não existe muito na era Instagram. Por hora estou bem sendo solteiro, quando há chances de dar uns amassos por aí raramente me nego esses breves prazeres. E isso serve para garotas também, já que considero as bocas universalmente assexuadas. Lábios são coisas deliciosas de se morder e ponto final.
Todos meus problemas começam e terminam no microcosmos chamado Escola. É uma terra perdida em uma dimensão estranha de onde pretendo esquecer tudo que vivo assim que terminar o ensino médio. Todo filme sobre a juventude nos Estados Unidos comprova que a universidade é muito melhor, estamos no Brasil e tenho fé que isso seja verdadeiro aqui também.
As letras tortas para o lado direito, geralmente na cor preta ou vermelha (que imagino serem os tubos mais baratos da loja onde os engraçadinhos compram isso), de vez em quando trazem belos poemas dedicados para mim. SAM __________ (preencha com o que for ofensivo para você).
SAM VIADO.
SAMUEL GAY.
SAMUEL BIXINHA.
SAMUEL MARICONA.
O chato não é ver seu nome riscado num muro qualquer, mas sim ele estar disposto aos olhos de pessoas tão ignorante quanto aquelas que escreveram. Se você se aceita, o mundo não pode te ofender pegando sua sexualidade e balançando para todos verem. No começo me irritava, nunca chorei por esse motivo porque quase não choro e nem gosto disso, lágrimas são fisiologicamente inúteis para limpar frustações.
O pessoal da direção corre para repintar o estrago, se bem que o estrago só acontecerá quando o preconceito de alguém se transformar em violência física, e isso é a única coisa que faz minhas mãos tremerem cada vez que alguém acha que é errado ser natural...
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Os pichadores
Novela JuvenilPilar é uma excelente aluna, mas os rabiscos gravados nas portas do banheiro feminino vão despertar o seu pior. Samuel é gay e todo mundo sabe, graças às pichações que aparecem toda manhã nos muros da escola. Spray, fofoca e maldade são os protag...