Prólogo

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Os primeiros raios do sol da manhã tocaram delicadamente meu rosto. Balançava meus pés, sentada no banco do ponto de ônibus, esperando meu motorista favorito estacionar e me contar histórias divertidas enquanto me levava para a escola. Meu pai, o motorista do veículo 231, era muito querido na companhia onde trabalhava. Ele era minha luz, meu mundo, meu herói.

— Com esse dicionário de novo, Tatá? — minha amiga Júlia perguntou, colocando sua mochila ao lado da minha no chão.

Eu estava me preparando para participar do Soletrando, programa do Luciano Huck. Era minha chance de provar a mim mesma que, mesmo vindo de uma família pobre e com poucos recursos, conseguiria voar alto e mudar a situação da minha família. Doía ver meu pai levantar cedo todos os dias, incluindo sábados e domingos, para colocar o básico na nossa mesa e chorar escondido quando não conseguia completar o arroz ou o feijão. Mas, no fundo, eu sabia que essa luta para ser a melhor não era só sobre mim mesma.

— Me deixa, Jú. Sabe que eu nunca me perdoaria se errasse uma palavra — sorri, deixando o dicionário de lado.

— Caramba, eu não estava preparada para voltar de férias. Tudo bem que estávamos no oitavo ano, mas era difícil acreditar que daqui para frente tudo iria piorar — ela bufou, abrindo um pacote de jujubas.

— Relaxa, você sabe que eu sempre vou te ajudar em tudo — roubei o doce dos seus dedos.

Um tapa fraco atingiu minha cabeça, e sorri com o barulho abafado do gesto.

— Tudo bem, senhorita nerd — seus olhos encontraram os meus, curiosos. — Ah, esqueci de contar. Soube que um garoto novo iria entrar na nossa turma hoje. Ele veio de Goiás, algo assim.

Parei de mastigar por um momento, gargalhando com a notícia.

— Por que está me contando isso, boba? — revirei os olhos. — Eu não me interesso por essas coisas, só por...

— Livros, tabuadas, cálculos, gramáticas e blá blá blá — ela me interrompeu. — Mas sei lá, não entra ninguém novo na escola desde o quê? Desde o nosso primeiro ano?

Vi o ônibus do meu pai virar a esquina, seu sorriso surgiu quando encontrou minha silhueta magra se levantando para dar sinal.

— E desde quando você se lembra de algo que aconteceu há anos, maluca? — peguei a bolsa, ajudando Júlia a se levantar.

— Não sei, Tábata. Você poderia não ser tão "objetiva demais"? — revirou os olhos.

Entrei no ônibus dando um beijo no meu pai e sentei no fundo para me concentrar nos estudos. O processo seletivo para participar do programa estava próximo, e eu não queria parecer uma amadora diante dos jurados. O comentário sobre minha objetividade ainda pairava na minha cabeça, me questionando se era tão ruim assim se sentir confortável em ser tão exata.

Enquanto tentava memorizar as palavras em minha mente, um cheiro levemente cítrico me invadiu por completo, trazendo uma sensação de confiança que eu nunca sentira antes. Era quase como uma terapia, me envolvendo em uma nuvem macia de quietude e leveza, revigorando meus pulmões.

Tudo parecia estar em câmera lenta, desde os sons até o movimento do mundo lá fora. Tudo o que eu queria era estar imersa naquela energia, algo que sempre buscava em meus momentos de insegurança e ansiedade. Mas, como em um passe de mágica, tudo desapareceu por completo quando vi os olhos castanhos mais lindos que já existiram no mundo. Nenhuma cor se igualava, nenhum brilho parecia existir tão perfeitamente quanto aqueles.

Parecia não existir fórmulas, equações, teorias ou simples combinações para tudo o que minha pupila conseguia identificar. Sua pele clara contrastava com o vermelho carmim do uniforme, como se fosse uma obra-prima. Eu não precisava saber seu nome, todos os átomos do meu corpo pareciam carregá-lo e gritá-lo em minha mente.

— Bem, este é ele. Eu o vi quando minha mãe renovou a matrícula — Júlia comentou, distraída.

Era ele, exatamente ele. O meu primeiro amor e o motivo de todos os meus deslizes desde quando o vi pela primeira vez no jardim de infância. O único que conseguia abraçar e, ao mesmo tempo, esmagar o meu coração.

— Não lembro muito bem o nome dele — a voz de Júlia destoava ao fundo dos meus devaneios — Era algo como Mar...

— Marçal. — desviei o olhar para a janela — Pablo Marçal.

Todas as Cartas Que Eu Nunca Enviei | Pablo Marçal e Tábata AmaralOnde histórias criam vida. Descubra agora