Capítulo 02

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Cheguei em casa exausta, joguei a mochila no sofá e fui direto dar um beijo na minha mãe, que estava fazendo uma tapioca deliciosa com queijo. Tirei o convite da festa do bolso e deixei na bancada ao lado dela. Ela leu o bilhete com um sorriso e sujou meu nariz com farinha.

— Então, minha filhota quer ir à sua primeira festa...

— Não sei, mamãe. Estou pensando se realmente vou, não estou acostumada com ambientes agitados.

Roubei um pedaço de queijo do prato e me sentei na bancada.

— Eu acho que deveria ir — ela me encorajou — Quando estiver na faculdade, terá que ir a algumas com seus amigos.

Balancei os pés, pensativa. Na verdade, eu estava indo por causa do Pablo. Eu sabia o que iria acontecer lá, talvez ele beijasse outra garota e, com certeza, dançaria e conversaria com todas, menos eu. Mas, uma parte de mim queria acreditar que aquela festa iniciaria a fase de superação, que eu encontraria uma pessoa ideal.

— Um rapaz muito bonito veio aqui enquanto você não chegava da escola, estava procurando por você — minha mãe quebrou o silêncio.

Por um momento, meu coração acelerou. Mesmo se eu desejasse muito, não seria a pessoa que se passou em minha mente.

— Quem era? Não me lembro de ter combinado nada com ninguém — terminei o último pedaço de queijo.

— Queria saber que horas poderia te pegar para ir na casa de uma... Caroline, parece. — ela colocou a tapioca na mesa, nos servindo — Acho que o nome dele é João.

Suspirei, tentando não transparecer a decepção. Mastiguei devagar, enquanto a barriga roncava alto.

— Ele parece ser uma boa pessoa, filha. Acho que está apaixonado por você — seu rosto começou a corar.

Dei uma risada genuína, bebendo um longo gole do meu café com leite.

— Mãe, todo dia esse menino está com uma pessoa nova andando de mãos dadas pela escola — coloquei um pedaço de tapioca na boca — Como alguém assim poderia gostar de mim?

Seu semblante ficou pensativo, revelando as rugas marcadas em seus olhos. Ela bebeu um gole do seu café, analisando a foto do meu pai na parede.

— O seu pai, na época em que nos conhecemos, era exatamente assim — ela sorriu — Fazia questão de ir para as festas, conversar com outras à minha frente e me chamar de apelidos maldosos na escola.

Balancei a cabeça, incrédula. O meu pai sempre fora brincalhão, mas não sabia que costumava irritar a minha mãe dessa forma.

— No final, descobri que ele só queria a minha atenção — seus olhos encontraram os meus — Ele achava que, agindo dessa forma, iria conseguir me deixar profundamente irritada e me fazer correr atrás dele implorando para que a gente começasse a namorar.

— E foi o que você fez? — perguntei brincalhona.

Ela se endireitou na cadeira, beliscando o café enquanto seus olhos vagavam pelo ambiente.

— Quando as coisas são difíceis demais ao ponto que precisa implorar para conseguir, então essa coisa não é para você — revelou de forma firme — Lógico, devemos batalhar para conquistar algo, mas somente durante a certeza de que aquilo é para você.

— O que está querendo dizer, mamãe? — perguntei confusa.

— Sempre reconheça as suas caminhadas, não assuma as dos outros. Se estiver em um caminho que está difícil de começar, continuar ou se manter... desista. Nenhum esforço é realmente lucrativo quando se tem que chorar, sofrer, implorar, ser alguém que não é.

Minha mente viajou em Pablo Marçal, em como era difícil se aproximar dele e conhecê-lo. Foram anos sem me dar um sorriso, um bom dia ou até mesmo um olhar que não fosse de desprezo. Com João Campos as coisas eram diferentes, mesmo conversando com todo mundo, ele me enxergava. Pedia ajuda nas provas, me contava sobre o que fazia nos finais de semana e sempre me mandava vídeos fofos de gatinhos no Instagram.

— Quer saber, mãe? — levantei da mesa, deixando-a assustada — Eu vou seguir o seu conselho, vou focar no caminho que estava o tempo todo brilhando para mim. É como a senhora disse, se me faz triste ou sofrer, então este caminho não é o meu, não é a minha luta.

— Essa é a minha menina! — ela comemorou, me analisando enquanto eu saía em direção às escadas — Onde você vai? Não terminou o seu café.

Parei no primeiro degrau, abrindo um sorriso confiante.

— Vou me arrumar para ir à festa, hoje será o meu dia! — corri em direção ao quarto.

Peguei o celular no bolso e enviei uma mensagem para João Campos, pedindo que me buscasse às 21h. Ele respondeu muito rápido, com emoji de um gatinho apaixonado. Era você, João, que estava no meu destino este tempo inteirinho e eu nunca fui capaz de perceber? Pensando melhor sobre o passado, ele sempre me tratou muito bem. Sempre carregando os meus livros da biblioteca, me levando para casa em sua bicicleta quando eu perdia o ônibus, me dando chocolates quase todos os dias.

Como eu fui tão idiota este tempo todo? Estava tão cega tentando enxergar o Marçal, enquanto o possível amor da minha vida estava bem ao meu lado! Talvez seja pelo fato de que ele sempre está acompanhado com outras garotas, rindo e se divertindo. Mas ele não fazia o tipo de quem estava fazendo tudo isso para chamar a atenção, João sempre foi muito objetivo quando se tratava dos seus pensamentos e suas vontades.

E hoje, era o dia em que eu seria objetiva. Tomei um longo banho quente, depilando o meu corpo e hidratando os cabelos. Procurei a roupa perfeita no meu guarda-roupa e alguns vídeos no YouTube para fazer uma maquiagem razoável — mesmo não sabendo nada sobre isso. Eu precisava estar radiante para mudar as coisas em minha vida e deixar as coisas um pouco mais românticas. Passei o meu perfume adocicado e desci as escadas quando a campainha tocou. Ao abrir a porta, encontrei João me encarando, maravilhado.

"Olá, meu possível amor.", penso.

Ele sorriu, estendendo a mão para mim. Senti meu coração acelerar enquanto a segurava e saía de casa. A noite estava apenas começando, e eu estava pronta para viver cada momento intensamente.

Todas as Cartas Que Eu Nunca Enviei | Pablo Marçal e Tábata AmaralOnde histórias criam vida. Descubra agora