Capítulo 01

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Os meus sentimentos nunca importaram para Marçal, era como se eu fosse invisível. Estávamos na mesma sala, ele se sentara na fila ao lado, na primeira carteira. Há algumas mesas atrás, eu costumava observar seus cabelos castanhos espessos. Durante anos, nunca tive nenhuma distração, sempre fui muito focada em meus estudos e notas. Mas, desde que meu corpo tomou consciência de que Pablo existia, uma parte minha nunca foi a mesma, sempre vazia.

— Hoje, iremos formar duplas para fazer o nosso último seminário do ano — a voz de Margarete, professora de Geografia, me despertou. — Irei colocar o nome de vocês aqui na urna, assim iremos sortear as duplas de forma justa.

Desde o jardim de infância, onde conheci Marçal, ele sempre foi muito reservado comigo. Falava com todas as crianças, de todas as turmas. Ele parecia me odiar profundamente, sempre me ignorando como se eu fosse invisível e não possuísse qualidade nenhuma. Eu me sentia assim naturalmente, não conseguia ter amigos pelo meu modo certinho demais, inteligente demais. Mas não entendia o motivo pelo qual ele sempre me evitava.

— Pablo Marçal e... — suas mãos reviraram novamente na urna — Tábata. Vocês ficarão com o tema "Placas Tectônicas e desastres naturais causados por elas".

Meu coração se acelerou, quase saindo pela boca. Eu nunca acreditei em destino ou algo pré-destinado, mas aquilo parecia uma peça que Deus ou algo superior estava pregando em mim. O corpo de Marçal continuava imóvel, olhando fixamente para o quadro branco à sua frente. Ele parecia estar arrasado, odiando aquela notícia. Levantei-me da carteira, enquanto a sala arrastava as mesas para formar as duplas.

— Oi... eu sou a Tábata — tentei parecer neutra, enquanto o nervosismo me atingia — Você quer que eu sente aqui na frente ou quer se juntar a mim na carteira vazia atrás?

Seus olhos castanhos brilhantes encontraram os meus, fazendo com que cada parte do meu sistema adormecesse. Ele era lindo, o garoto mais lindo da escola, cidade, mundo e universo. Todas as medidas milimetricamente perfeitas, proporcionais. Eu não podia negar, estava — e sempre estive — perdidamente apaixonada por ele. Mas, agora depois de tantos anos, esse amor parecia ter aumentado exponencialmente.

— Eu explico sobre as placas e você... — ele me olhou de cima abaixo — Pode explicar sobre o restante.

Abaixei a cabeça, constrangida. A sua frieza em relação a mim não parecia ter mudado. Será que ele me reconhecia? Em sua mente, a minha imagem infantil ainda permanecia? Tomei coragem para perguntar, mesmo meu coração indo contra a decisão.

— Você se lembra de...

— Ainda resta alguma dúvida? — ele me interrompeu — Pesquise a sua parte, iremos juntar tudo no dia da apresentação. Espero que tenha entendido.

Senti o meu coração suicidar-se em meu peito, a sensação de aperto e agonia me invadiu por inteiro. Por qual motivo ele se comportava dessa forma? Estávamos no primeiro ano do ensino médio agora, ele conhecia 99,99% da escola e, por algum motivo que eu não fazia ideia, me tratava como lixo. O pior é que eu estava sozinha, Júlia havia se mudado para Minas Gerais e me deixara abandonada.

Segurando as lágrimas, saí em passos largos da sala de aula, indo em direção ao banheiro feminino para desabar em tristeza. Eu sabia que deveria sair dessa, procurar um amor melhor para mim, que reconhecesse e me amasse independente de qualquer coisa. Mas, mesmo que eu desejasse isso profundamente, o meu coração teimoso sempre iria pertencer ao Pablo.

— Oi Tábata, tudo bem com você? — Carolina, a menina mais influente da escola, me analisou cuidadosamente — Você está chorando?

Enxuguei as lágrimas, abrindo um sorriso largo.

— Fui mal na prova de inglês, estou preocupada com a nota do bimestre — menti.

Seu olhar de julgamento se intensificou.

— Ah, qual é! Você é fluente em inglês, me ajudou naquela prova para tirar o meu visto ano passado — ela me estendeu um pequeno papel dourado — Vai na minha festa hoje, beba alguma coisa e dance um pouco. Você estuda muito, está precisando descansar.

Retribuí o gesto com um sorriso amarelo, enquanto Carolina se posicionava em frente ao espelho para se maquiar. Não seria uma má ideia ir à festa, o problema é que eu odiava música alta e pessoas acumuladas em um lugar só. Mas eu precisava me dar esta chance, não poderia continuar do jeito que estava.

Caminhei lentamente para o corredor, olhando o convite em minhas mãos. Eu precisava pensar positivo, o meu futuro e minha situação atual dependiam somente das minhas escolhas. E eu queria escolher um caminho em que eu não ficasse sozinha, um caminho confortável e um abraço de alguém que me amasse de verdade.

Ao chegar na porta da sala, encontrei João Campos vindo em minha direção. Ele era o cara que todas as meninas queriam, o mais popular da escola. João sempre demonstrou interesse por mim, interesse este que sempre desconfiei. O que ele iria querer com alguém como eu? Éramos o completo oposto, nada parecia se encaixar. Campos era o tipo de garoto perfeito para machucar corações, por isso vivia com medo de me apaixonar por ele. Mas, diante da minha situação atual, estava sendo machucada de forma pior.

— Tatá! Está pensando em ir na festa da Carol? — ele abriu um sorriso gigante, seus olhos verdes brilhantes me observaram de forma curiosa.

— Sim, estou pensando em... esquecer um pouco dos problemas — ergui o convite, desanimada.

Suas mãos envolveram levemente as maçãs do meu rosto, ele se aproximou devagar, sugestivo.

— Por favor, me ligue. Você tem o meu número, não tem?

Meu coração, por cinco segundos, bateu descompassado.

— S-sim. Eu tenho sim — escondi as minhas mãos trêmulas nos bolsos do jeans.

Ele retirou uma pequena mecha de cabelo do meu rosto e colocou atrás da orelha.

— Quando estiver pronta, por favor, não deixe de me ligar. Estarei te esperando para ter a melhor diversão da sua vida.

João beijou o topo da minha testa, retomando em direção à sua sala. Fiquei estática por alguns segundos, enquanto os meus colegas gritavam animados pela cena que acabaram de assistir. A única coisa que se passou pela minha mente foi Pablo Marçal, que estava com o rosto completamente vermelho e inexpressivo.

Todas as Cartas Que Eu Nunca Enviei | Pablo Marçal e Tábata AmaralOnde histórias criam vida. Descubra agora