LEILA

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Aqueles que possuem conhecimento de causa podem afirmar, caso não estejam afetados por alguma obstrução cognitiva, que a pobreza é implacável. Muito democrática, a fome faz o estômago doer e lança seus tentáculos de loucura em qualquer lugar, alcançando quem for. O desespero, as súplicas, as lágrimas de humilhação de quem busca a sobrevivência, são exatamente as mesmas, na mesma intensidade, em qualquer clima, idioma ou cultura.

Não foi diferente para Leila, mais uma desassistida sem nome e sem rosto nesse mundo de vaidades, egos e poder.

Leila nasceu para uma grande família que residia em uma pequena cidade do Pará. Veio ao mundo pelas mãos de sua madrinha porque a mãe precisaria caminhar até o hospital e não conseguiria em tempo, por isso contou com a sapiência de uma parteira. Desde aquele dia muito quente e úmido, a casa no meio da mata, próxima a um dos desdobramentos do grande Rio Amazonas, se tornou o lar da criança.

Era uma construção humilde, de tábuas, como tantos outros lugares no Brasil, mas servia para sobreviver; tapava da chuva e do sol. Sob aquele teto e com o trabalho duro de toda a família, havia sempre o mínimo na mesa.

Toda a família, sem exceção.

Leila, como a maioria dos seres humanos, cresceu com sonhos. Sonhos que a vida se encarregou de arrancar aos poucos, da forma mais dolorosa, com choques de realidade enquanto ela crescia e amadurecia. Nada é pior do que a nossa própria consciência. Aos poucos ela entendeu o quão longe precisaria ir para ter algo além da extensão da vida de seus pais.

Deixou de lado os estudos antes de terminar o ensino fundamental, assim como tantos outros brasileiros, e arranjou um emprego para ajudar a sustentar a família. Pouco tempo depois seu pai desapareceu. Foi um caso, no mínimo, curioso.

O pai tinha fortes episódios de dor de cabeça. Uma enxaqueca pesada. Um dia foi ao hospital, sozinho, e nunca mais voltou. Também não foi encontrado, pois ninguém soube dar notícias de seu paradeiro. Aos poucos a família parou de falar sobre ele. Apenas engoliram o choro sofrido enquanto cada um se convencia de uma verdade própria. Contudo, Leila era esperta, inteligente demais. Ela desconfiava de que seu pai foi vítima da rede de tráfico de órgãos que se aproveitava de gente humilde dos interiores.

Ela aceitou amargar a perda em silêncio enquanto fingia para os cinco irmãos que a versão de fuga era a mais crível, ainda que ele não tivesse abandonado eles por motivos piores.

A polícia pouco fez no sentido de ajudar. Eles não eram ninguém para a sociedade e, sendo assim, não valiam um grande esforço.

Pouco tempo depois a desgraça bateu novamente à porta da casa de Leila. A mãe ficou desempregada e entrou em profunda depressão, parando de fazer até mesmo o básico para sobreviver. Tornou-se acamada, praticamente catatônica.

A irmã mais velha de Leila não suportou a pressão de cuidar da família e deu um tiro na própria cabeça, com uma arma que conseguiu em troca de uma noite de sexo. Pouco tempo depois, o segundo mais velho morreu afogado enquanto pescava durante uma tempestade, pois não pode se dar ao luxo de parar. O outro veio a óbito por dengue hemorrágica, após um diagnóstico errado, feito sem nenhum exame.

A mãe de Leila não aguentou mais. Seu corpo muito fragilizado, de mente já consumida, se rendeu, e, em uma manhã cinzenta Leila se viu sozinha com mais duas crianças que agora eram sua responsabilidade. Cheia de dívidas, precisava pôr comida na mesa e ajudar os irmãos, sendo que um ainda era um bebê.

Apenas o dinheiro que ganhava sendo empregada doméstica não era suficiente, então resolveu ceder às investidas de homens mais velhos que ofereciam dinheiro por seu corpo jovem que ainda nem tinha alcançado a maioridade e a completa maturidade. Estava exatamente do jeito que eles gostavam.

Assassinato no Parque Brito (postando)Onde histórias criam vida. Descubra agora