9❀ As Raízes Negativas

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Os números se distorcem na prova, as equações parecem bagunçadas, não sei o que fazer com o x², as letras se movem feito em uma sopa de letrinhas em minha cabeça, não consigo resolver. Em casa parecia mais fácil. Tento me acalmar enquanto aperto e esmago a borracha entre os dedos, mas não consigo me fazer focar na realidade. As lágrimas caem sobre os números, maculado o papel, papel esse que pra mim não possui significado algum.

“Indique as relações semânticas estabelecidas pelos conectivos em destaque:
I. Como a chuva estava muito forte, não foi possível continuar o show.
II. Eu não consegui apresentar o trabalho porque estava muito nervosa![...]”

Eu entendo o idioma, mas não consigo entender as estruturas dele, nem as minhas eu entendo.

O silêncio era imenso, os únicos sons que floresciam eram os sons feitos contra as folhas de papel. Mas dentro da minha cabeça os sons estão bem altos desde que acabei na casa de Aiko, desde que tentei estudar a semana toda. Os sons tem sido altos essa semana inteira, duas provas na segunda, uma na terça, uma na quarta, e agora a última, na quinta, a de história.
“1)Além de parte da própria colheita, o que os vassalos deviam aos seus senhores?”
Essa eu sei, como não saber levando em consideração minhas experiências? Seria uma vergonha se eu não soubesse.
Escrevo na folha: “R: Parte das suas flores ou frutos humanos e folhas também serviam quando a pessoa não dava nem flor nem fruto”
“2) Cite uma prática da monarquia quando os tributos não eram pagos”
“R: Jogavam fogo nas plantas do devedor.”...

Dia 19/04
—Dando início a distribuição das provas que foram feitas no começo do mês, irei dizer as notas pra vocês por ordem de chamada.
Eu sei que fui mal, nosso professor regente é o professor Masato, ele vai nos passar todas as provas simultaneamente. Hoje é dia Sim, eu estudei, é claro que estudei. Minhas mãos estão totalmente calejadas, escrevi até não poder mais, mas não consigo me lembrar de nada, não consigo me lembrar de coisa alguma.
—Número 1, Aiko Sakurai, 10 em matemática, 10 em português, 10 em geografia, 10 em história, 10 em ciências. Parabéns, fechou com nota 10 em tudo.
Como sempre.
—Número 2, Anahí Anhanguera. 0 em matemática, 6 em português, 8 em geografia, 8,5 em história, 5 em ciências. Fechou com 5,5 em matemática por conta do caderno estar organizado e também por causa da nota do TCA que foi incluída em todo mundo que estava precisando de nota, 7,5 em português, 8,5 em geografia, 8.5 em história, 7,5 em ciências.
É como se eu pudesse sentir na pele a mudança de tom de sua voz no início do diálogo, não fechei com notas vermelhas, mas eu sei que fui mal nas provas, e mais uma vez eu me sinto como se estivesse exposta, nua na frente das pessoas, me sinto envergonhada. Isso me lembra de todas às vezes que minha mãe me disse que minhas notas eram horríveis e que eu não seria ninguém se continuasse assim, não importa o quanto eu me esforço, nunca aprendo.
Já era de se esperar, levando em consideração que eu chorei na prova de matemática, já que eu simplesmente não consigo aprender matemática não importa quanto eu tente.
—Inclusive, enquanto digo as notas, já podem ir abrindo o livro de matemática que entreguei a vocês esse mês na página 35.
Pego o livro de dentro de minha mochila, ficamos quase um bimestre inteiro sem livros, o governo não tinha mandado também.

Ele finalmente finalizou de dar as notas, Aiko se levantou e está com as provas da maioria dos alunos em mãos, que fazem fila pra ser corrigidos por ela, sempre que há um erro, mesmo que nem sequer tenha sido descontado da prova, ela explica o que está errado e ensina a melhorar, são um bando de idiotas, quem faz fila pra ouvir que está errado?
Em pensar que eu já estive nessa fila... Ouvindo os conselhos inofensivos de alguém que ama criticar a todos por achar que é incrível, pra no final nem saber fazer o que tenta ensinar.
Masato bate palmas para chamar atenção da turma, se levantando e se posicionando na frente do quadro negro, todos os alunos se viram pra ele, mesmo que a maioria esteja seguindo outro centro gravitacional: O da Aiko.
—Conversei com o professor Takumi, o professor de artes. Eles está planejando levar os alunos aprovados no projeto dele em um passeio, no caso, os que forem realmente ficar, o passeio vai acontecer no dia 31 de Abril, e quem foi aprovado no projeto vai estar pegando a autorização tanto do passeio quanto do projeto comigo hoje, já que o bimestre já está praticamente fechado.
A maioria dos alunos perde o interesse, menos eu, escuto algumas piadinhas no fundo entre os alunos.
“Tsc! Se eu soubesse que arte trazia coisa boa eu teria feito os trabalhos do velho direito!”
“Ele é mó chato, eu que não iria querer ir pra um passeio com o Takumi, nem se fosse pra Disney! Seria capaz de ele transformar o passeio da Disney em uma palestra de filosofia sobre o Mickey.”
“Ah, depende de pra onde eles vão né, dependendo do lugar até o professor Takumi deve ficar menos chato.”
—Mas, tenho uma novidade pra vocês. Eu vou estar escolhendo alguns alunos que tiraram notas boas na minha prova pra ir no passeio, mesmo que não tenham sido aprovados no projeto de artes.
Minha expressão murcha um pouco, não vai ser especial se as outras pessoas forem também, eu queria uma coisa minha alguma vez na vida. Bom, pelo menos o Kazuki vai, ele tirou 10 na prova de matemática...
O professor se levanta e começa a distribuir as autorizações, ele me entrega duas autorizações, uma com as informações do projeto, dando o horário que será das 12pm às 14:30pm e o nome do professor responsável e a outra com as informações do passeio, dizendo que irá ocorrer dia 31 de Abril, será com o professor Massato de matemática e Takumi de artes, o local será o Museu do Ipiranga (Museu Paulista), no parque da Independência, será das 7am até às 14pm.
Vejo ele entregar uma autorização solitária pra Aiko, sorrindo pra ela e afagando seu cabelo com a mão até conseguir de alguma forma bagunçar um cabelo preso com Marias chiquinhas, deixando os fios totalmente desgrenhado, sua franja e seus cabelos rosa pálido assumem uma forma totalmente desalinhada.
—Sua desgraçada, minhas provas não tem graça por sua culpa.
Ele brinca, fazendo Aiko dar risada, expondo seus dentes pontudos enquanto o professor ri juntamente com ela.
—Se depender de você, nem preciso vir mais pra escola. Não quer trocar comigo por um dia? Você dá aula e eu aprendo.
Depois das piadas, ele continua seu trajeto, entregando a autorização para Kazuki, e também entregando outras poucas autorizações solitárias a alguns outros alunos, e logo nossa monótona aula, agora sobre teorema de Pitágoras, tem seu começo.

—Tenho uma lista de materiais que acho que seriam interessantes pra você, senhorita Anahí.
Senhor Takumi começa a falar, e logo me entrega uma folha de papel com uma lista feita à mão, os alunos já foram embora, todo mundo está almoçando agora.
Pego a tênue folha de papel e encontro a seguinte lista:
• Pacote de folhas de papel Canson;
• Giz pastéis oleosos;
• Giz pastéis secos;
• Lápis grafite de gramaturas: 4b, 2b, HB (mais comum), 2H, 4H;
• Borracha limpa tipo;
• Lápis borracha;
• Caneta Nanquim;
• Lapiseira técnica;
• Esfuminhos de tamanhos variados.
É bastante coisa. E o papel Canson é muito caro.
—Obviamente não é obrigatório que você compre essas coisas, mas levando em consideração que você já tem bastante capacidade, acredito que aprender a usar esses matérias possa te ajudar bastante.
—Entendi... Mas... O que é uma borracha limpa tipo? Onde acho isso?
—É uma borracha maleável, é como uma massa de modelar. Acredito que tenha em várias papelarias aqui da região.
Fico animada com algo tão simples quanto isso: deve ser muito bom apertar uma borracha maleável, ainda melhor do que a borracha de 1,50 centavos que tanto gosto de esmagar.
—Entendi... Mas não sei se consigo comprar papel Canson, é muito caro.
—Como artista, você já deveria ter entendido que o que importa antes de tudo é a folha, a base da sua obra é a coisa mais importante, se for uma base ruim, terá um desenho mais ou menos independentemente do quão boa como artista você seja.
Me sinto um pouco apreensiva em relação ao tom do professor, ele parece decepcionado comigo, isso faz minha garganta fechar.
—Entendi... Eu vou ver com minha mãe se consigo comprar o papel, ela vai me dar dinheiro dia 5 já que é quando ela pega o pagamento dela. Me desculpe, professor...
Ele suspira, removendo seus óculos.
—Está tudo bem, Anahí. Não posso exigir que você saiba de tudo no final das contas. Eu estou aqui pra te ensinar, não pra esperar que você saiba de tudo, se soubesse eu seria inútil.
Me sinto mal, porque eu sei que ele confia nas minhas experiências, talvez eu tenha decepcionado a única pessoa que me reconhece. Aceno com a cabeça em concordância, mas ainda parece que ele pode perceber que não estou muito bem
—Não se preocupe, você já faz o suficiente. A maioria não tem o menor interesse nas coisas que falo ou faço, já você, tem. Inclusive, um interesse grande demais, deveria ir almoçar. Nos vemos na semana que vem.

No primeiro dia do projeto, Takumi nos pediu pra fazer um auto retrato, deu-nos instruções vagas e simples, apenas nós pedindo que desenhássemos quem éramos, fizemos o trabalho em telas de pintura, depois, teríamos de pintar com tintas acrílicas, processo esse que não foi finalizado até hoje.
Hoje é o dia do passeio, não consegui dormir bem, estava animada demais, acabei tentando me desestressar desenhando, tentei fazer uma paisagem primeiro, mas sou muito ruim desenhando paisagens, só desenho bem as pessoas.
Então desenhei algumas inspirações aleatórias do Pinterest, tentei desenhar até uma das fotos de Bella enquanto escutava uma de suas músicas recém lançadas: Otogibanashi. Foi o único que terminei.
A música conta sobre fofoca e uma fada informante, que começa a transmitir informações sobre a princesa. É uma fada enxerida, parece até que ela cantou o que aconteceu entre eu e Kiara.
Estou horrível, com o cabelo todo bagunçado, olheiras fundas como se eu não dormisse há semanas. Corro pra me arrumar, acabo sentindo pela primeira vez uma vontade de me arrumar surpreendentemente grande, vou até o quarto de minha mãe e pego um de seus corretivos, rapidamente passando um pouco de sua maquiagem já que seu tom é exatamente igual ao meu, consigo esconder minhas olheiras. Escovo meu cabelo e os meus dentes, logo saio do banheiro às pressas, meu próprio entusiasmo me consumindo lentamente.
Agarro minha mochila, cheia de salgadinhos e doces que ainda tínhamos, como: uma caixa de Pepero Almond, uma de Zangle, uma barra de chocolate Milka, Doritos, Cheetos e outras várias comidas industrializadas como balas Fini, e também os chatos sanduíches de pão de forma, peito de frango desfiado com açafrão e requeijão, estes feitos pela minha mãe, que insiste em me preparar “comida de verdade “ pra levar. Ela queria que eu levasse tapioca e bolo de milho, mas eu claramente não gosto dessas coisas, é coisa de índio, ninguém acha essas comidas gostosas a ponto de pensar nelas quando quer comer algo especial.
É da mesma forma que ninguém pensa em empregada doméstica quando pensa em um futuro emprego. Da mesma forma que riram de mim no primário naquele dia... No dia em que perguntaram a profissão dos pais de cada aluno, um era policial, o outro era médico, outra era contadora, a gente nem sabia o que era uma contadora antes daquela menina falar o que era, eram estrelas muito bonitas de se olhar, flores belas, que daria até dúvida na hora de escolher uma. Até que chegou a minha vez, e eu só tinha uma flor esquisita sem algumas pétalas, era a mais feinha, foi quando eu disse que minha mãe era empregada doméstica. Depois disso, toda vez que eu ia brincar com as outras meninas, eu tinha que ser a empreguete da brincadeira, ou me faziam brincar como se eu fosse uma selvagem.
Suspiro, não posso deixar o passado envenenar o presente.
Vou até a geladeira e pego uma latinha de guaraná, é uma das poucas coisas que o Brasil tem de bom. Acabei pegando várias coisas da geladeira e em breve vamos precisar comprar mais comida, o bom é que o salário da minha mãe está perto.
Olho para o relógio em meu celular, vendo que são 6:30am, confiro os fones que coloquei nos bolsos do meu casaco vermelho, me certifico também de ter colocado meu RG na mochila, está tudo certo pra partir.
Saio de casa, deixando pra trás o lugar estranho que eu mesma nunca entendi o suficiente para chamar de casa.

おとぎ話 (Otogibanashi)
“ねえ、ある妖精が私に言った...”
(“Nē, aru yōsei ga watashi ni itta...”)
La la la
La la la la la
La la
La la
地面に砕け散った平民が生きている
(Jimen ni kudakechitta heimin ga ikite iru)
太陽の下で
(Taiyō no shita de)
腐った血、
(Kusatta chi,)
半分壊れて、
(Hanbun kowarete,)
ひどいリンゴ
(Hidoi ringo)
純粋ではなく、完璧でもない
(Junsui de wa naku, kanpeki demo nai)
ただの自然の間違い
(Tada no shizen no machigai)
満たされていない、半分空っぽ
(Mitasarete inai, hanbun karappo)
空虚な平民が生きている
(Kūkyona heimin ga ikite iru)
虫が彼女の心に穴を開けた
(Mushi ga kanojo no kokoro ni ana o aketa)
そして彼女のもう一つの半分が欠けている
(Soshite kanojo no mō hitotsu no hanbun ga kakete iru)
知ってた? 知ってた?
(Shitteta? Shitteta?)
それは虫が食べたからだよ!
(Sore wa mushi ga tabeta kara da yo!)
知ってた? 知ってた?
(Shitteta? Shitteta?)
彼女が完全ではないからだ!
(Kanojo ga kanzen de wa nai kara da!)
ねえ、ねえ、知ってた?
(Nē, nē, shitteta?)
知ってた?La la la
(Shitteta? La la la)
桃とさくらんぼの間には壊れた姫が住んでいる
(Momo to sakuranbo no ainda ni wa kowareta hime ga sunde iru)
半分満たされた、ジューシーな果物
(Hanbun mitasareta, jūshī na kudamono)
でも知ってる? 知ってる?
(Demo shitteru? Shitteru?)
妖精は言った、
(Yōsei wa itta,)
蝶が彼女のもう一つの半分を作る間、
(Chō ga kanojo no mō hitotsu no hanbun o tsukuru ainda,)
彼らは彼女の血を吸うんだ!
(Karera wa kanojo no chi o sūnda!)
知ってた? 知ってた?
(Shitteta? Shitteta?)
物語では彼女の果物はプラスチックでできていると言われている!
(Monogatari de wa kanojo no kudamono wa purasuchikku de dekite iru to iwa rete iru!)
そして彼女の冠は間違いでできていた!
(Soshite kanojo no kanmuri wa machigai de dekite ita!)
知ってた?
(Shitteta?)

(Uwasa)
知ってた?
(Shitteta?)
La la
物語
(Monogatari)
La la la
おしゃべりな妖精が平民の物語を教えてくれた
(Oshaberina yōsei ga heimin no monogatari o oshiete kureta)
王族のふりをしていた平民の物語を
(Ōzoku no furi o shite ita heimin no monogatari o)

Ouça a música de Bella!

Raízes da Inveja (Demo oficial)Onde histórias criam vida. Descubra agora